O legado de Anita Novinsky

Paulo Valadares - Especial para a TJ

Sou genealogista e tenho formação acadêmica em História Social (PUCCAMP e USP). Já publiquei ensaios e livros sobre o tema. Meu objeto de pesquisa é a presença judaica no Brasil e suas conexões desde o “achamento“ do pais no século XVI. Fui convidado pelo editor Joel Rechtman para escrever sobre isto: começo pelo desparecimento da historiadora Anita Novinsky, minha orientadora na pós-graduação.

A Profª Anita Waingort Novinsky, Hannah b. Schmuel (1922-2021) foi uma espécie de minha “irmã de navio”, apesar de vindos em naus diferentes. Conversávamos por horas; pois, tínhamos memórias comuns, apesar dela ter vindo de Stachow no vapor Zeelandia em agosto de 1925. Eu, um pouco antes; porém, ela conhecia meus avós: o herético Paredes, o Antunes, a Macabéia, bem antes de mim. O pai de Anita, Samuel Waingort, militante sionista (introdutor da criação de carpas no Brasil para consumo ritual) fora comerciante de peles na Polônia. Roubado pelo sócio, ele veio para o Brasil recomeçar a vida, onde tornou-se dono da loja de modas “Casa de Viena”. A sua mãe Eugenia (Gitl) Buchwald tinha dificuldades com o idioma português e continuou lendo jornais em ídiche publicados em Nova York. Neles, apavorada, ela descobriu um vilão atemporal de nome sinistro: Torquemada, que andou queimando “judeus” pela Espanha. Tentou sensibilizar a filha, aluna de filosofia, para estudá-lo; mas, naquele momento não conseguiu… Tempos depois da cena familiar; na USP, João Cruz Costa, perguntou a aluna Anita: “se conhecia Herculano, Mendes dos Remédios e Lúcio de Azevedo. Eu nunca tinha ouvido falar deles. Ele me sugeriu uma bibliografia e me transmitiu uma missão: estudar história dos cristãos-novos no Brasil, que era praticamente desconhecida até então”.

Ela anotou a bibliografia e foi estudar o tema. Nossa amizade começou quando passei a investigar os cristãos-novos e encontrei o seu livro “Cristãos-novos na Bahia”. Escrevi-lhe carta em 1986 e ela me respondeu. A partir deste momento não nos desligamos mais, criamos vínculos de afeto, respeito e admiração. Órfão e estrangeiro na cidade, tive uma recepção que ela deu em sua casa, quando completei o Mestrado, onde os doces eram tão requintados feitos por ela, que meus amigos lambem os beiços até hoje.

Compartilhamos grandes momentos: uma aula espetacular na USP sobre o Padre Vieira, que lembro até hoje como se fosse um filme clássico. A sua atividade acadêmica na USP, onde ela orientou 25 Mestres e 18 Doutores, deram ao cristão-novo, lugar, nome e história. Com o seu carisma levou o assunto para fora da academia, tornando-se uma figura pop, até em lugares remotos do Sertão brasileiro. Ultimamente, em nossos encontros, falávamos de Popkin, autor de estudos sobre o Ceticismo, o seu autor predileto. Ela voltou ao Jardim (20/07).

Reparação aos danos inquisitoriais

Aproximadamente 50 mil cidadãos de vários países pleitearam a “cidadania portuguesa (por reparação aos danos inquisitoriais)” criada pelo decreto-lei nº 30-A/2015, do advogado lisboeta José Ribeiro e Castro, deputado do CDS/PP, depois de um encontro com sefaradis europeus, brasileiros (22.928) e israelenses (18.433), que têm liderado os pedidos de naturalizações – os números são de 2019. Basta estabelecer uma linha genealógica continua até um judeu português ou cristão-novo documentado. Não se aceitam testes genéticos como prova da ascendência.

A legislação atingiu um alvo não considerado na feitura da lei, brasileiros, descendentes de cristãos-novos. Num momento de crise econômica e política, muitos se interessaram por esta saída inesperada, o passaporte português, para entrar no mercado europeu.

Processo que envolve a feitura de um documento genealógico ligando o pleiteante a um ancestral judeu português; que terá de ser ratificado pela Comunidade Israelita de Lisboa, do Porto ou de Belmonte, gerando trabalho para genealogistas, advogados e pareceristas. Assim personagens marginais que só eram conhecidos academicamente como judeus ou cristãos-novos, tornaram-se protagonistas nestes processos de naturalização.

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