Esperando abraçar a normalidade, comendo pizza no Bom Retiro e voltando ao Manhattan Connection

Caio Blinder - Especial para a TJ

Eu escrevo esta coluna em 30 de dezembro para arrematar o annus horribilis de 2020. Claro que 2021 chega com a esperança de mais saúde e muita, mas muita vacina e em breve, especialmente no Brasil, que graças ao infame governo de Bolsonaro, está na vanguarda do atraso na guerra contra a pandemia.

Obviamente que temos muito a se envergonhar de tantos outros governos. Destaco Trump, mas este está de partida. Em Israel, Netanyahu sempre teve um desempenho complicado na pandemia, no geral negativo. Ele nunca foi minha praia em termos políticos e ideológicos, mas esperava muito mais de Netanyahu em termos de mero gestor de uma crise. Quem sabe, ele pague o preço na rodada eleitoral que se avizinha.

im, 2020 e tantos dirigentes no mundo foram horrorosos. Vamos deixar claro que desempenho de uma liderança na pandemia não tem correlação direta com a orientação ideológica do governo (temos sucessos e fiascos à esquerda e à direita) e, ironicamente, mesmo o comportamento criminoso não significa punição. Vide o Brasil do Messias Bolsonaro, um sujeito sem salvação moral, mas promissor na arena eleitoral.

No entanto, não quero me estender demais sobre os Bolsonaros da vida. Quero focar também na nossa responsabilidade, a responsabilidade de cada cidadão. Temos os ultrajes que se tornaram um padrão, como o ativismo irresponsável de circular sem máscara, como se fosse uma declaração de princípios.

E temos o mero comodismo de quem se recusa a sair de sua zona de conforto e acha que é um grande sacrifício deixar de ver pessoas próximas numa pandemia ou desmarcar uma festa de aniversário.

E tampouco podemos esquecer o reverso. Quem se comporta num esquema de Deus-nos-acuda e com fatalismo espera o fim do mundo nesta tragédia. E aqui comento com uma perspectiva judaica. Desde o começo, manifestei apreensão com a pandemia (nunca achei que era uma “gripezinha”, mas também a coloquei judaicamente no contexto histórico).

E por que “judaicamente”? Aqui mesmo nesta coluna na Tribuna Judaica, escrevi no começo de 2020 que as coisas seriam horríveis com esta pandemia, mas lembrei sobre o que tinha acontecido com gerações judaicas anteriores em termos de tragédias, como perseguições antissemitas, fugas de guerras e fome para qualquer porto que acolhesse refugiados. E hoje vejo gente do meu círculo reclamando que não dá para viajar ou das restrições para frequentar academia.

E este fenômeno do “mimimi” e da falta de contexto histórico não é obviamente apenas judaico (sei que judeus são geneticamente reclamões). Basta ver a bobagem estampada pela revista Time, em dezembro, pontificando que 2020 foi o pior ano da história. O que é isso? Que sensacionalismo dos mais baratos.Claro que 2020 vai despencar em infâmia no ranking dos piores anos na história da humanidade. Mesmo a Time no seu texto abandona o tom de apelação e reconhece que houve anos piores do que 2020. Para ficar apenas no caso americano, em 1918 o país perdeu dezenas de milhares de soldados nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial e centenas de milhares na gripe espanhola. Naquele ano, houve um salto de 46% no número de mortes em relação a 1917 e a expectativa de vida teve uma queda de quase 12 anos, em comparação a 3 em 2020.

Nem vamos falar das duas guerras mundiais do século 20. Vamos entrar mais a fundo no túnel do tempo. Pegue 1816, que ficou conhecido como o “ano sem verão”, devido a uma maciça erupção vulcânica em 1815. Com o alastramento das cinzas, o sol ficou bloqueado e a temperatura global caiu, causando a devastação do plantio, que gerou uma fome terrível.

Peste Negra

Mais conhecido nos anais da infâmia é 1349, o pior ano da Peste Negra, que eventualmente matou 1/3 da população europeia, equivalente a 250 milhões de mortes hoje em dia. E para quem não sabe, vamos render o tributo ao ano 536, cunhado como o pior ano para estar vivo. Uma erupção vulcânica na Islândia no começo daquele ano levou a Europa, partes do Oriente Médio e outras regiões asiáticas a amargarem literalmente uma idade das trevas, agravando a fome e acelerando a disseminação da peste bubônica.

O progresso da humanidade não é uma linha contínua e ao longo do caminho existem desvios e reveses ignóbeis. Em particular desde o século 19, as revoluções sanitária, na saúde e na tecnologia minimizaram de forma espetacular os custos de tragédias como uma peste ou pandemias. Basta ver a proeza da vacina contra o coronavírus. Em menos de um ano, ela foi concretizada, ao invés da habitual década.

Já falei demais de 2020 e de outros anni horribili na história.  Mas, antes de ir adiante, acho legal falar algo mais na despedida de 2020 (afinal, estou escrevendo ainda no ano velho). Existe a excelente notícia do despejo de Trump da Casa Branca (que parte com suas mentiras e esperneio corriqueiros). Os desafios diante de Joe Biden serão imensos e outra hora falo deles, mas no aqui e agora, é uma alegria ver o bode (Trump) fora da sala.

E sobre o Oriente Médio velho de guerra, por maior que seja minha ojeriza a Trump, devemos saudar o seu papel (que ele exagera, é claro) no estabelecimento de relações diplomáticas de Israel com vários países árabes. Existem as incógnitas da crise nuclear iraniana, mas algumas perspectivas para Israel são promissoras.

Já sobre política interna israelense, nada muito promissor. É o que é. O país tomou caminhos distantes da minha idealista formação sionista. No horizonte, está a nova e agonizante eleição. Netanyahu pode finalmente ser despejado no poder, mas o governo pode desgalhar ainda mais para a direita.

E, por favor, sem saudades de Trump. Biden é amigo de Israel e fará o que estiver ao seu alcance para zelar pelos interesses do Estado Judeu no contexto de avanços diplomáticos no Oriente Médio, levando em conta a necessidade de retomar o acordo nuclear iraniano (com ajustes), renegado por Trump.

Vamos ao futuro, não o distante, mas o aqui e agora de 2021. Sempre fui cético que a pandemia traria rupturas descomunais na sociedade ou na economia. Sem dúvida, está aí uma reversão da globalização e mais proteção nacional nas fronteiras. Vemos também esta mudança no padrão de trabalho, com mais gente em casa.

No entanto, com as conquistas a serem obtidas pela vacina, começando em 2021 e se estendendo em 2022, vislumbro a reversão da reversão. Com a velocidade na nossa era, teremos uma relativa rapidez de volta à normalidade.

E quando falo de normalidade, quero falar de coisas mais pessoais. Assim como para as pessoas responsáveis, 2020 foi um ano de clausura para mim. Além de família imediata, não tive praticamente contato físico com amigos.

Saúdo aqui meu querido amigo Robin, com o qual convivi pessoalmente, relativamente à distância em 2020. Robin é meu comparsa de squash há quase 25 anos. A pandemia nos forçou a um ajuste e passamos a jogar tênis, ao ar livre. Assim, as partidas ficaram um pouco menos frequentes a partir do final do novembro, com o frio e a neve. Por uns meses, ainda deveremos jogar tênis, mas parte de volta da normalidade para mim será voltar à clausura da quadra de squash.

E obviamente não vejo a hora de pegar um avião e pousar em Guarulhos, para rever famílias e amigos na terra natal. Será uma grande felicidade brindar com água mineral gasosa a volta da normalidade com uma pizza na cantina Monteverde, no Bom Retiro.

Manhattan Connection

Um bom sinal de volta à normalidade é o retorno à TV do nosso Manhattan Connection. Estreamos na TV Cultura no dia da posse do novo presidente dos EUA, Joe Biden, e entramos no ar às quartas-feiras, às 22h, com reprise aos domingos às 23h. Não percam!

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