A comunidade judaica brasileira passa por um momento sem precedentes. Como testemunha da nossa história comunitária há mais de 40 anos, nunca presenciei um evento tão marcante e triste como este, com o desaparecimento de um líder da magnitude do Sr. Joseph Yacoub Safra, Z’L.
Escrevo estas palavras, ainda sob o impacto de uma cerimônia de Mishmará a que estive presente há poucos minutos na Sinagoga Beit Yaacov. Tive a sorte de me sentar em um lugar privilegiado, do lado direito, bem em frente a Eichal e da fileira dos filhos enlutados.
Por alguns momentos me distraí e fiquei observando a edificação, desta que é uma das casas de orações mais bonitas do mundo. Imagino o quanto que o Sr. Joseph se dedicou a esta construção. Não estou falando da parte financeira.
Para quem acompanhou sua trajetória, dá para ver o seu DNA em cada detalhe. É impressionante.
Poucos minutos depois que a reza começou, entra no recinto um senhor paramentado de maneira diferente. Trata-se de do Grão-Rabino de Israel, R. Yitzhak Yosef, que veio especialmente de Israel para a cerimônia. Os que percebem sua presença, se levantam em sinal de respeito. Imediatamente me vem à lembrança o Sr. Joseph, que sempre ia até a porta recepcionar presidentes e demais convidados e os conduzia até seu assento reservado. Diversos rabinos discursaram – começando com o rabino Efraim Laniado -, dando ênfase à importância e o exemplo que ele nos deixou, na defesa de nossas tradições e na sua benemerência, que alcançou instituições e pessoas de maneira incomensurável.
O Rabino Shabsi Alpern recordou com precisão episódios vividos ao longo de anos de convivência, como aquele em que, no meio do expediente de trabalho, o Sr. Joseph se deslocou para a recém-inaugurada sede do Beit Chabad Central para acender uma vela de Chanucá.
Já o rabino David Weitman nos contou que em outra oportunidade, também em dia atribulado, o convocou para ir ao Hospital Israelita Albert Einstein, para tratar da kashrut na entidade. Também nos falou de um comentário que fez no passado, ao ver a alegria do Sr. Joseph com seus netos, que eles representavam juros e correção monetária, e que o Sr. Safra o corrigiu dizendo, que seus netos na verdade representavam o capital principal!
Para finalizar a cerimônia, que teve cuidados extremos em relação ao distanciamento social, ouvimos um amigo da família, o rabino Saul Paves, ler com sua voz pausada e tranquila, uma linda mensagem que D. Vicky e seus filhos, Jacob, Alberto, David e Esther, dedicavam a seu patriarca, e que muito emocionou os presentes.
Cobertura da mídia
Acompanhamos a cobertura jornalística da grande mídia, que com muita razão deu ênfase às grandes conquistas deste ícone do mercado financeiro mundial. Sônia Racy escreveu um belo texto que ocupou quase uma página do Estadão: “Joseph Safra ocupava privilegiado lugar na tradicional lista dos bilionários globais da revista Forbes.
Entretanto, na lista dos que não aparecem em público e muito menos concedem entrevistas, o banqueiro conquistou, talvez…o primeiríssimo posto. Consequência deste silêncio, a fortuna da família Safra acabou alimentando lendas.
Muito se fala sobre seus negócios, mas nada sai da boca dos próprios. Foi com muita determinação que consegui convencer ‘seu José’ – como ele era chamado por todos no trabalho, bem como pelos amigos – a me conceder duas entrevistas gravadas, depois de anos e anos de conversas em off (jargão usado pelo jornalismo, quando a fonte da informação não pode ser revelada). Uma foi feita em 2000 e outra em 2010. O ‘calado’ patriarca, casado com a sempre presente Vicky por 50 anos, pai de quatro filhos e 14 netos, nunca gostou mesmo é…de falar. Sempre foi homem de poucas e decisivas palavras (…) Conheci ali um senhor educadíssimo, cerimonioso, de fala mansa e tom ameno. Muito diferente do que esperava, ante as descrições que circulavam pelo mercado financeiro”, dizia um trecho do artigo.
A imprensa também repercutiu a fala das autoridades a respeito do Sr. Joseph. “Deixa muitos amigos, admiradores e grande legado como empresário e filantropo. Construiu sua vida com décadas de dedicação e trabalho”, falou o governador de S. Paulo, João Dória. “Além de bem-sucedida trajetória como empreendedor, Joseph Safra somou significativa atuação na filantropia, fazendo importantes doações para os hospitais Albert Einstein e Sírio Libanês e para o enfrentamento da pandemia da Covid-19”, disse o prefeito de S. Paulo, Bruno Covas.
Unanimidade
No mercado financeiro, seus principais dirigentes foram unânimes em suas manifestações elogiosas. “Com o Grupo Safra, rompeu fronteiras e foi um dos pioneiros no mercado financeiro a se destacar internacionalmente. Aliou ao papel de grande empresário aquele de grande filantropo, compartilhando assim seu êxito com a sociedade”, afirmou Candido Botelho Bracher, presidente do Itaú Unibanco. “Joseph Safra foi um homem de coragem. Após imigrar para o Brasil, teve participação fundamental no desenvolvimento do setor bancário do País, empreendendo também em outras áreas com destemor e eficiência. Seu nome se tornou sinônimo de humildade e filantropia”, disse Sérgio Rial, presidente do Santander Brasil. “O sistema financeiro perde um de seus maiores inovadores, que deu grande contribuição para modernizar a indústria ao longo de sua reconhecida trajetória profissional”, falou André Brandão, presidente do Banco do Brasil. Luiz Carlos Trabucco Cappi, presidente do Conselho de Administração do Bradesco, escreveu um belo texto na Folha. Em um trecho, ele diz: Vivemos a era da transparência, dos modelos matemáticos, algoritmos e técnica. Por isso, é preciso valorizar e homenagear essa geração de banqueiros brasileiros, exemplos de que o Brasil fomenta inúmeras histórias empresariais de sucesso. Devemos a esses banqueiros a criação das grandes marcas bancárias de hoje, todas elas vencedoras ao longo de várias décadas de construção. Eles foram artistas, que nos deixaram um legado de solidez e cultura da modernidade, fatores que viabilizaram o caminho para os pesados investimentos que fazemos ano após ano em tecnologia e especialização de pessoas”.
Para a nossa comunidade o Sr. Joseph representava uma bússola, um líder como não vimos em nenhuma geração. Nada de importante era decidido sem seu conselho, e seu exemplo de conduta era seguido por todos aqueles que queriam o bem do Ishuv. “As tradições judaicas e o amor pelo Estado de Israel sempre o marcaram e, graças a sua generosidade, muitas entidades foram ajudadas e outras criadas por sua família a fim de transmitir este sentimento tão enraizado em seu coração. Homem humilde, apaixonado por sua família, Sr. José plantou sementes que desenvolveram e continuarão a dar à nossa comunidade os frutos por várias gerações”, escreveu, em nota, a Federação Israelita do Estado de São Paulo.
“Seu exemplo seguirá vivo como fonte de inspiração e norte para todos nós. Os que tiveram a honra e a felicidade de conviver com ele sabem da grande fonte de sabedoria e inspiração que emanava de suas palavras e, principalmente, de suas ações. O querido Joseph Safra deixará muitas saudades, mas deixará também um legado formidável”, disse Claudio Lottenberg, presidente da Confederação Israelita do Brasil (Conib).
David Feffer, presidente da Suzano, definiu Sr. Joseph como “um empreendedor excepcional, que deixa um importante legado para a nossa sociedade e para o Brasil”.
As demonstrações de apreço e admiração chegaram de todos os cantos do mundo. E as lembranças pessoais, que por um lado trazem tanta dor pela perda inestimável, por outro lado nos recordam tantos momentos admiráveis que presenciamos com as suas ações e ensinamentos.
Lembro-me também que sua recepção calorosa na Sinagoga é análoga ao seu acolhimento aos entes queridos e também ao Ishuv. Não temos mais a presença do Sr. Joseph para nos levar até onde deveremos ir e nos ensinar o caminho.
Cabe a todos nós, agora, em sua homenagem, continuar usando os alicerces firmes que ele pavimentou, tanto na sua Congregação como na sua família.
