They are baaaaack! Estou aliviado com o suado triunfo de Lula e desolado com a vitória de Bibi

Caio Blinder - Especial para a TJ

Eles estão voltando ao poder. Setentões, carismáticos, populistas, sabem falar com o seu povo, malandros, corruptos, polêmicos e que dividem opiniões. Realmente sem disposição para largar o osso. Vou dar parabéns a ambos? Puxa, como é difícil, nunca foram minha praia. No máximo, consigo saudar a perseverança deles.

Os dois são muito próximos da minha vida, embora eu viva há séculos nos EUA. No final das contas, sou um judeu brasileiro. Vamos começar com o cara aí do Sul e depois vamos ao Oriente Médio. Sobre a eleição de Lula, confesso que meu sentimento é de alívio e não de felicidade. O alívio vem acompanhado de preocupação. Dito isso, o sufoco do resultado em 30 de outubro me deixou ainda mais convicto de que fiz a coisa certa.

Pela primeira vez e espero pela última na vida, eu votei no lulopetismo, assombrado pelo bolsonarismo. Não iria repetir a dose do voto nulo (2018). O sufoco em 2022 mostrou que cada voto contava e lá fui eu no domingo ensolarado e lindo de outono votar na escola de Nova York, usada como zona eleitoral. Um segundo mandato para Bolsonaro era simplesmente inconcebível para mim. Afinal, ele é integrante das hostes da democracia iliberal capitaneada por Donald Trump, adepto daquele plano que ficou conhecido “como as democracias morrem”. Nada de ditador assumido e sim a marcha metódica para aparelhar as instituições, minar os órgãos supervisores, avacalhar a imprensa sem cessar, desprezar a ciência e mentir descaradamente.

Ninguém precisa fazer pregação e alerta para mim sobre Lula. Não foi uma Escolha de Sofia, prefiro o termo Escolha de Pocilga. Bolsonaro era pior para mim, para os judeus, para os brasileiros e para o mundo. Eu já estava desolado com o triunfo da neofascista Giorgia Meloni na Itália, não precisava de uma vitória do favorito tropical da extrema direita global.

Mas, e o Lula corrupto? E o Lula que abraçou o Ahmadinejad? E o Lula que passa pano para o Ortega? Sei de tudo isso e o tom desta conversa nos obriga a resvalar para o “whataboutismo”, uma prática constante nas redes sociais e que me deixa exaurido (e também chateado, por precisar dar o troco nesta mesma moeda desvalorizada).

Para cada foto do Lula com o Ortega, existe outra do Bolsonaro com a deputada neonazista alemã. Mas, o Hamas deu parabéns para o Lula. Estou sabendo, mas o presidente de Israel, Isaac Herzog, também foi bacana com o presidente eleito nos seus parabéns, assim como todo mundo no mundo (exceto Trump e puxadinhos). Lula foi saudado de Biden a Putin, passando pelo príncipe esquartejador saudita, Mohammed bin Salman, com o qual Bolsonaro sorridente disse que tinha muitas afinidades.

Esta rapidez diplomática global foi fundamental para neutralizar o ímpeto golpista de Bolsonaro. O mundo não iria perder tempo com a trumpada de Bolsonaro, macaqueando a insurreição que culminou na invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021. Infelizmente o trumpismo e seus clones seguem aí, vigorosos, cruéis e sem pudor. Mais grave: praticamente impunes. Bradar fraude eleitoral é passaporte essencial no universo alternativo republicano.

Golpe rodoviário

Claro que o Brasil ainda precisou amargar algo que rendeu uma saborosa expressão: o golpe rodoviário. E qual golpe o Lula vai aprontar contra Israel? Nenhum. Haverá protagonismo externo dele como nos dois mandatos anteriores, mas não veremos Lula metido em mediação nuclear iraniana. O negócio dele será mediação climática, agora que o Brasil se livrou do desmatador de florestas, da democracia e das boas maneiras. Claro que Lula vai aprontar barbaridades externa, afinal ele teve a ideia ridícula de culpar o assaltante e o assaltado pela guerra na Ucrânia.

Sempre achei ridícula a ideia de antissemitismo em Lula ou de sabotar Israel. Claro que ele tem a cabeça atrasada do modelito sul-sul e de vitaminar os Brics. Em um momento delirante, ele achou que iria emplacar um Nobel da Paz negociando com Ahmadinejad.
Houve muito histerismo sobre Lula na comunidade judaica e desta vez as reações parecem mais comedidas. Ainda bem. E pelo que sei, o voto na comunidade desta vez não foi maciçamente pró-Bolsonaro, como em 2018. Aproveito para lembrar pela enésima vez: Bolsonaro nunca apoiou Israel, sempre apoiou uma Israel imaginária do messianismo pentecostal. Seu negócio era a afinidade com Netanyahu. E, ai, ai, ai, chegamos no outro veterano de volta ao poder. Bibi, para quem não sabe, é tri. Retorna ao poder pela terceira vez.

Com a volta de Lula fiquei aliviado, mas não feliz. Era ele ou Bolsonaro. Com a volta de Bibi, só tenho sentimentos negativos. Nem vou perder tempo com a lista. Sempre considerei que a experiência Bennett/Lapid tinha sido um milagre dos mais bizarros. Valeu enquanto durou, mas infelizmente o seu desgaste e contradições internas vitaminaram a nova e triste realidade. Israel é um país cada vez mais direitista, mas do direitismo bronco, ressentido, autoritário, estreito e racista. E estamos aí, no ritual de formação da coalizão de governo mais direitista, nacionalista e religiosa da história de Israel. Não era o plano de David Ben-Gurion e quem sabe nem o de Vladimir Jabotinsky.

O Rei Bibi

Incapaz de largar o osso e ao mesmo tempo empenhado em se desvencilhar dos processos de corrupção, Bibi topou a profanidade de apadrinhar a costura de partidos de extrema direita, inclusive com gente fascista e racista, para assim ter condições de montar uma coalizão de governo. O Likud em si já tinha descambado ainda mais para a direita e ainda por cima impelido por este culto da personalidade de Bibi, o Rei Bibi. Nem existe mais o fingimento. Totalmente fora de cogitação para este pessoal a ideia da solução dos dois estados.

Como um governo democrático e decente pode contar com a presença de Itamar Ben Gvir? Este líder do bloco Sionismo Religioso deve ser chamado sem pruridos de fascista e racista. O anormal está normalizado, com os 10% de votos para o bloco ultranacionalista, lembrando que o Likud de Bibi também tem o apoio dos tradicionais partidos religiosos e (fisiológicos). Muitos vão tripudiar Israel, mas o buraco é mais fundo. Ironicamente, Israel virou uma Suécia, uma Itália. Isso mesmo: em países europeus, a extrema direita fascistoide e racista também está no poder (como suporte no caso sueco e diretamente no caso italiano).

Em 1995, Itamar Ben Gvir, rapaz de 19 anos, integrava os bandos fascistas que pediam a morte de Itzhak Rabin, como de fato aconteceu, pelas mãos de um terrorista judeu de extrema direita. Sim, Rabin, general-diplomata, soldado na guerra de independência, primeiro-ministro de uma linhagem de trabalhistas (os pais e mães fundadores de Israel). E quanto a Ben Gvir, integrante da nova geração de dirigentes de Israel aos 46 anos, ele sequer serviu no Exército. Recebeu isenção devido à sua perigosa ficha corrida como extremista.

Que arco da história em Israel. O Partido Trabalhista que forjou as instituições nacionais, mesmo antes da independência, agora amarga a quase irrelevância, enquanto o bloco Sionismo Religioso terá a terceira maior bancada no Parlamento. Em novembro de 1947, a assembleia-geral da ONU aprovou a partilha da Palestina, rejeitada pelo mundo árabe; em novembro de 2022, 75 anos mais tarde, uma parte do mundo árabe finalmente aceita a existência e topa a coexistência com Israel, mas dentro do país, o novo aparato de poder não aceita mais o projeto de partilha, de existência e coexistência de dois estados. TJ

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