Sem Bolsonaro, hora de dar mais atenção aos descaminhos da esquerda sobre Israel e judeus

Caio Blinder - Especial para a TJ

Eu vou começar de forma chula, ou seja, bolsonarista, para justamente mudar de assunto. Por anos a fio, Bolsonaro foi a minha Geni. Joguei bosta sem parar. Ele ainda merece, mas não é mais o presidente. Hora de trocar de Geni. Já escrevi aqui que a eleição de outubro foi uma Escolha de Pocilga, logo é apropriado insistir no papo Geni. Lula é a minha nova Geni. Falo isso, ressaltando não existir simetria. Bolsonarismo é pior do que lulismo e assim eu não eu me arrependo de ter cravado meu voto no vitorioso, o novo presidente, meu primeiro e espero último voto no PT.

Eu não vou elaborar aqui sobre os intestinos do novo governo, ou seja, os pepinos domésticos. Nada de muito útil para refletir. Meu primeiro foco é antissemitismo. A gente toma dos dois lados, somos Geni. No entanto, nos últimos anos da era Trump & Bolsonaro, eu me concentrei no antissemitismo de direita, inclusive rebatendo os arautos destes dois execráveis, tratados como paladinos da causa de Israel e dos judeus. Sei, estou sabendo, defensores de uma Israel imaginária ou de agrado dos evangélicos e de um certo tipo de judeu. Perdi a conta quantas vezes fui chamado de mau judeu pelos bolsonaristas, inclusive os judeus bolsonaristas. E nunca absorvi judeu trumpista, o sujeito que normalizou os supremacistas brancos. Esta cegueira e fanatismo dos judeus trumpistas e bolsonaristas me fazem lembrar a capacidade de tantos judeus de esquerda que idolatravam Stalin, mesmo depois das revelações dos seus crimes e antissemitismo.

Hora de se concentrar no antissemitismo de esquerda, em geral, travestido de antissionismo. No entanto, na teoria da ferradura, esquerda e direita se tocam e compartilham os mesmos clichês. Vimos isso na polêmica no final de 2022, envolvendo o economista Ilan Goldfajn, ex-presidente do Banco Central, escolhido ainda na era Bolsonaro para comandar o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Ele foi atacado por um notório economista de esquerda, Paulo Nogueira Batista Jr., não por razões técnicas, mas por ser o “financista judeu de nome impronunciável”, a serviço do capital internacional. Temos o mesmo discurso estilo Protocolos dos Sábios de Sião, que nas hostes de direita tem George Soros como alvo preferencial.

Alguns ativistas de esquerda, de origem judaica, tiveram o despudor de defender Nogueira Batista (que obviamente negou antissemitismo). Felizmente, alguns grupos de judeus notoriamente esquerdistas não vacilaram e foram à carga contra o tosco caso de antissemitismo na margem esquerda. Aliás, foram os mesmos grupos que ganharam vida para denunciar os judeus pró-Bolsonaro, que ficaram vistosos desde os aplausos ao vômito racista de Bolsonaro na Hebraica do Rio.

O “affaire” Nogueira Batista é apenas a ponta do iceberg. Sabemos dos estereótipos na esquerda sobre a comunidade judaica brasileira, confundida com aqueles que aplaudiram Bolsonaro na Hebraica. A pluralidade judaica ė negada e o contexto também. Afinal, amplos setores da classe média e do empresariado brasileiros, e nestes grupamentos há judeus, se alinharam a Bolsonaro por afinidade ideológica ou aversão ao petismo.

Para a esquerda mais retrógada, o judeu ainda encarna o vil metal e a sovinice, enquanto para direita mais retrógada, ele ainda é a mistura de do comunismo, cosmopolitismo e capital internacional, tudo encarnado em George Soros, outra Geni. Nos dois casos, há suspeitas sobre a lealdade judaica à pátria onde vivem. Goldfajn, nesta ótica, é um mau brasileiro por ser um bom judeu. E a propósito, seu nome é facilmente pronunciável, assim como sua competência técnica.

Politizar o antissemitismo

Como eu já disse, a esquerda prefere politizar o antissemitismo como posição antissionista, negando a legitimidade de um movimento de libertação nacional ou alegando que houve a mutação para nazismo, apartheid e imperialismo. Enfiar a nova política externa brasileira neste saco é, porém, um equívoco irresponsável. Lula nunca negou Israel e não há nada de escandaloso pregar a criação de um estado palestino. Há o infeliz episódio de sua relação com Ahmadinejad, mas eu o vejo muito mais como fruto do protagonismo e sofreguidão diplomática misturada com amadorismo para tentar resolver a complicada questão nuclear iraniana.

Claro que o protagonismo de Lula na arena externa está de volta, em grande parte para faturar no contraponto a Bolsonaro e ao isolamento diplomático que seu desgoverno representou. As maiores desvalorizações bolsonaristas foram no seu desamor às normas democráticas e desprezo à causa ambiental. Em particular na Europa e nos EUA, Lula representa a restauração e ele vai tirar proveito. Mas o novo presidente tem também o impulso para restaurar outras coisas, como investir nos BRICS e seu sentimento antiocidental.

Sem Bolsonaro, acaba o alinhamento automático com os EUA e Israel e aqui vamos traduzir: no caso americano, era alinhamento automático com Trump. É verdade que tanto ele como Biden evitaram estragos maiores nas relações bilaterais desde a defenestração de Trump. Com Israel, era alinhamento automático com Netanyahu e com um país imaginário. Ironicamente, o retorno de Lula e Netanyahu ao poder ocorreu ao mesmo tempo. São dois políticos incríveis, mágicos e com uma sobrevida que desafia as expectativas.

Os EUA de Biden enterraram os planos de ressuscitar o acordo nuclear com o Irã, em parte devido à crescente aproximação do regime de Teerã com Putin na guerra da Ucrânia. Biden, em meio aos sobressaltos da comunidade judaica americana, com a volta de Netanyahu ao poder com seus comparsas fascistas, racistas e homofóbicos, por ora não atiça Israel e tem um histórico de bom relacionamento com o novo velho primeiro-ministro.

A provocação é mais de Netanyahu, que também tem boas relações com Putin e acena com um alinhamento mais simpático a Moscou na guerra ucraniana, algo que não cai bem em Washington e nas capitais europeias. E Lula com tudo isso? Garanto que ele não acorda todo dia pensando em Netanyahu. É verdade que Lula está à vontade com o regime misógino iraniano, que escandaliza bem menos tantos na esquerda brasileira do que a “opressão” do povo palestino.

Lula também está à vontade com Putin e já falou bobagens como atribuir responsabilidade tanto à Rússia como à Ucrânia pela guerra, apesar da obviedade de um país agressor e outro agredido. Nesta confusão toda, Netanyahu e seu arqui-inimigo, o aiatolá Khamenei, convivem bem com Putin (o Irā, muito mais).

E tem mais: Putin tem bom relacionamento com o regime saudita, assim como Netanyahu. Lula, com sua mistura de protagonismo, pragmatismo e esquerdismo retrô deve circular com desenvoltura neste front externo. Haverá, é verdade, mais ruído a favor dos oprimidos companheiros palestinos na base lulopetista. É uma causa que indigna mais à esquerda retrô brasileira do que a opressão na China (sem falar na Rússia) ou nos países sob ditadura na América Latina.

E fecho com o alerta do ex-rabino-mór de Moscou, Pinchas Goldschmidt, na foto. Ele fez um apelo para os judeus saírem do país, prevendo uma onda antissemita, pois como na época dos czares e do comunismo soviéticos, os judeus deverão ser culpados pelas mazelas resultantes da guerra na Ucrânia, os judeus e não o responsável, Vladimir Putin. TJ

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