Judeus marcham contra racismo e brutalidade policial nos EUA

Caio Blinder - Especial para a TJ

Judeus são plurais (até em excesso). Encontramos judeus ao longo do espectro ideológico, político e moral. Judeus podem estar nas duas extremidades. Sim, há judeus fascistas e há judeus que aderem aos grupos de esquerda mais aloprados.

Li por estes dias que no famoso trem em que Lênin desembarcou do exílio, na estação Finlândia, em São Petersburgo, em 1917, meses antes de tomar o poder, entre os 30 companheiros comunistas de viagem adultos, 17 eram judeus.

Houve judeus simpáticos a Mussolini até quando deu (e mesmo a Hitler). Hoje em dia, há judeus engajados em partidecos abertamente racistas em Israel. Podemos defini-los como sionistas fascistas. No Brasil, ainda há judeus fanaticamente pró-Bolsonaro e outros fanaticamente de extrema esquerda. E de pensar que na França existem judeus que votam em Marine Le Pen, cujo pai era negacionista do Holocausto. E os rabinos malucos que se alinham com os aiatolás iranianos?

Nos EUA, há judeus aconchegados com supremacistas brancos, entre eles Stephen Miller, o assessor de imigração de Trump (que eu defino como uma pessoa racista). Há judeus entrincheirados em grupos militantes que atravessaram a fronteira entre o antissionismo e o antissemitismo. Se quiserem polêmica, eu creio que Netanyahu trafega no racismo contra cidadãos israelenses de origem árabe.

Mas quero falar dos EUA destes tempos alucinados de vírus e de protestos contra racismo e brutalidade policial. Sim, os judeus estão maciçamente a favor dos protestos (aliás, esta é a atitude da maioria da população branca que finalmente sente na pele a bagagem histórica do racismo).

Nunca vamos esquecer que este país declarou independência com base no pecado original da escravidão. As 13 colônias inglesas que deram origem ao país fizeram um compromisso e para se unirem foi aceita a preservação da escravidão na nova nação.

A luta contra o racismo é infatigável. Momentos épicos aconteceram nos anos 1950 e 1960 com as marchas pelos direitos civis. Judeus cerraram fileiras com os líderes negros, como Martin Luther King. Como não se orgulhar dos rabinos que estavam na vanguarda da marcha? Há tantos. Eu vou relembrar um deles.

Refugiado do nazismo, o rabino Joaquin Prinz foi um dos dez organizadores da Marcha de Washington. Antes do antológico discurso de Martin Luther King, o “I Have a Dream”, o rabino Prinz falou para a multidão em 28 de agosto de 1963.

Ele disse: “Quando eu era rabino da comunidade judaica em Berlim sob o regime de Hitler, eu aprendi muitas coisas. A mais importante coisa que eu aprendi sob aquelas trágicas circunstâncias foi que intolerância e ódio não são os problemas mais urgentes. O mais urgente, o mais devastador, o mais vergonhoso e o mais trágico problema é o silêncio”.

Na sua longa e infatigável vida (1902-1988), o rabino que chegou aos EUA em 1937 foi um dos mais importantes líderes espirituais e políticos nos EUA. Esteve à frente da congregação B’nai Abraham, em Newark, no meu estado de New Jersey, integrou o comando do World Jewish Congress e presidiu o American Jewish Congress (1958-1966), justamente nos tempos da memorável aliança de judeus e negros durante as marchas dos movimentos civis. O rabino se juntou a protestos nas ruas para lutar contra segregação nas escolas, no trabalho e nas moradias.

E de pensar que o rabino Prinz viveu o trauma em 1968 do assassinato do seu grande amigo Martin Luther King. Ambos sempre serão motivos de orgulho. Mas, como disse, judeus são plurais e outras alianças foram espúrias.

Do lado errado

Um século antes das marchas de Luther King e Prinz, um outro judeu marchou do lado errado da história. Seu nome era Judah Philip Benjamin (1811-1884). Senador pelo estado da Louisiana, Benjamin foi o primeiro judeu a ter cargo ministerial na América do Norte e o primeiro a ser eleito para o Senado sem ter renunciado à sua religião.

O problema foi integrar o ministério da Confederação, aquela dos estados sulistas que praticaram a secessão em nome da escravidão e foram à guerra contra a União. Benjamin era braço-direito do presidente Jefferson Davis, de quem foi ministro da Justiça, da Guerra e de Relações Exteriores.

Ele era um rico dono de plantações e de escravos e sempre se mostrou um eloquente defensor da escravidão. Perto da derrota na guerra civil, Benjamin fugiu com Davis de Richmond (a capital da Confederação). Davis foi capturado, mas Benjamin conseguiu fugir para a Europa, tornou um bem-sucedido advogado em Londres e morreu em Paris.

De quem o leitor se orgulha mais? Do rabino Joaquin Prinz ou do dono de escravos Judah Philip Benjamin? Eu, além do rabino Prinz, também me orgulho daqueles que estão marchando contra o racismo nas cidades americanas, em particular de centenas de jovens judeus chassídicos que marcharam em Crown Heights, no Brooklyn.

E por que tanto orgulho? Trata-se uma iniciativa fenomenal, pois foi justamente em Crown Heights que ocorreram conflitos entre judeus e negros há 30 anos. As relações entre as duas minorias (que seguem sendo os pilares de sustentação mais leais da coalizão que é o Partido Democrata) já tiveram altos e baixos desde os tempos em que Martin Luther King e o rabino Prinz marchavam juntos nos anos 1960.

Uma parcela da comunidade judaica americana está realmente em outra marcha, cerrando fileiras com a xenofobia trumpista e também com a direitização sem precedentes do establishment conservador em Israel (mesmo coisa no Brasil da era Bolsonaro).

E sabemos que parcela da comunidade negra é militante extremista de outro lado. Há o antissemitismo islâmico das hostes de Louis
Farrakhan, sem falar do radicalismo de setores do movimento Black
Lives Matter, alinhados com algumas causas que trafegam no antissemitismo no seu apoio aos palestinos e repúdio a Israel.

Não há dúvida que existe um bolsão radical de esquerda no Partido Democrata, embora o comando do partido seja o establishment tradicional, a destacar o candidato presidencial Joe Biden, a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, e o líder da minoria no Senado, Chuck Schumer, que é judeu.

Há um bando de deputados radicais, que a agitprop republicana tenta pintar como controladora do partido e responsável pela agenda em questões domésticas e também em política externa, o que é mentira. Precisamos reconhecer, porém, que estes tempos turbulentos que misturam pandemia, aguda crise econômica e protestos sociais radicalizam amplos setores da juventude.

Existem disputas internas no Partido Democrata, entre setores moderados e radicais e isso pode ter algum impacto em relação a Israel. Basta ver a troca de guarda para o distrito do Bronx, em Nova York. A cadeira na Câmara dos Deputados do distrito está há 30 anos com Eliot Engel, judeu, presidente da poderosa Comissão de Relações Exteriores e um aliado inquestionável de Israel, na tradição bipartidária em Washington.

Nas primárias realizadas em junho, porém, ele perdeu para um jovem desafiante negro, Jamaal Bowman, bem à sua esquerda e que não deve professar o mesmo apoio incansável a Israel.

Não há dúvida que o comando do partido ainda escolherá alguém moderado para presidir esta influente comissão, mas as mudanças no cenário estão aí, algumas necessárias e altamente positivas como a onda nacional contra racismo, mas outras incertas e inquietantes, como a radicalização política, não apenas na direita, mas na esquerda americana.

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