Inimigos da história, da ciência e da vacinação, por favor, não manchem a estrela de David

Caio Blinder – Especial para a TJ

Para muita gente, os sacrifícios na pandemia são intoleráveis. Arautos do individualismo extremado e da desinformação tóxica, muitos se recusam a tomar a vacina. E falo de países onde existem doses sobrando. Para muitos, é intolerável a ideia de passaporte da vacina, de obrigatoriedade de máscara em certos locais públicos ou de mero bom senso em nome da saúde pública. É a doutrina dos “meus direitos” acima de todos e de tudo.

São os insurgentes contra o totalitarismo na pandemia. São egoístas, abusivos e incapazes de viver em sociedade. Falo isso num desabafo, pois agredir esta gente é contraproducente. Eles devem ser persuadidos e não insultados. No entanto, nem sempre é possível conter a paciência. Nem falo do Brasil, onde o vírus negacionista importado da “Trumpland”, veiculado por tantos charlatões e teóricos da conspiração, não teve o impacto almejado. Afinal, a imensa maioria dos brasileiros quer tomar a vacina e não a cloroquina.

Em partes menos desenvolvidas do mundo, falta a vacina. Mas em tantos países ricos, o que existe é o subdesenvolvimento cultural em meio ao que é conhecido como a pandemia dos não vacinados. De novo, é preciso tato com esta gente.

Relutância é fruto de ignorância, mas existe um setor que resiste por motivos políticos e está particularmente entrincheirado no universo paralelo conservador. No caso dos EUA, existe uma correlação direta entre ser antivacina e acreditar nas teorias conspiratórias de que Joe Biden não é o presidente legítimo e que ele está no poder graças à fraude eleitoral. Trump foi alijado pelo Deep State.

Desinformação e fabulismo correm soltos nos países mais avançados (dá para acreditar?). Temos marchas contra a vacina e medidas de precaução nas principais cidades europeias, no Canadá e na Austrália, sem falar das manifestações nos EUA.

Temos os grandes ditadores do negacionismo e do charlatanismo como Trump, Bolsonaro, Tucker Carlson (da Fox News) e Sikêra Jr. São meliantes que exercem poder e fascínio sobre as massas. Estas massas felizmente não são a maioria, mas infelizmente são minorias significativas em várias partes do mundo. E de pensar que marcham nas ruas de Paris, a Cidade-Luz, contra o “tirano” Macron.

Pessoas que seguem estes meliantes têm também sua dose de responsabilidade quando recusam a vacina, quando acham que alguns sacrifícios em nome da saúde pública são afrontas aos seus direitos individuais e quando acham que defender a vida é um arroubo totalitário.

Como disse acima, ser agressivo com esta gente pode ser contraproducente (a meta é a vacina neles, não a morte deles), mas que cansaço da estupidez. Sem falar do vitimismo de ativistas antivacina se comparando às vítimas do Holocausto. Do que eles estão falando?

A ideia de fazer este desabafo me veio quando soube do sobrevivente francês do Holocausto, denunciando justamente os manifestantes antivacina, se comparando aos judeus perseguidos pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial.

Rafael Szwarc, de 94 anos, se encheu desta gente (em geral de extrema-direita, mas no caso francês, a extrema esquerda participa desta banalização do mal). É o fim da picada quando ativistas antivacina marcham com a estrela de David pregada na roupa, em analogia ao que os nazistas obrigavam os judeus a fazer.

Em uma cerimônia em julho para lembrar as vítimas de antissemitismo e racismo por atos do estado francês colaboracionista na Segunda Guerra Mundial, Szwarc desabafou: “Vocês não podem imaginar como isso me incomoda. A comparação é odiosa. Todos nós devemos nos levantar contra esta ignomínia. Eu usei a estrela, eu sei o que ela representa, ela ainda está na minha pele”. E com toda a razão, o porta-voz do governo francês, Gabriel Attal, lamentou a “abjeta comparação de regras sobre a vacina com as atrocidades nazistas, lembrando que o mundo não pode ceder “à ditadura de imagens e palavras escandalosas” que impõe este tipo de trivialização do mal supremo.

Não bastasse viver um momento tão difícil para a humanidade (a pior pandemia desde a gripe espanhola há 100 anos), ainda precisamos conviver com estas trivializações da história e ignorância científica. Para os judeus, a paranoia é saudável. Teorias conspiratórias acabam sobrando para a gente. E de pensar que 20% dos americanos acreditam que a vacinação contra o Covid faz parte de um plano para implantar microships na população para que o estado exerça um controle totalitário.

De novo, existe uma correlação direta entre absurdos contra a ciência e a crença da base republicana (na verdade trumpista) de que houve fraude eleitoral a favor de Biden no ano passado.

Degringolada moral

Houve um tempo em que o Partido Republicano respeitava as instituições, respeitava os militares e tinha o mínimo de bom senso científico (não sobre mudanças climáticas). E hoje? Há uma degringolada moral e intelectual raramente vista em um partido de importância histórica para a humanidade, o partido de Abraham Lincoln.

Hoje é um partido refém de um ex-caudilho escroque e é um partido que insulta os militares, a destacar o general Mark Milley, vital para conter as maluquices de Trump no ocaso do seu governo. Sim, Milley, chefe do estado-maior das Forças Armadas, foi insultado por Tucker Carlson, garoto-propaganda da supremacia branca e da campanha contra a vacina na Fox News, como um “porco estúpido”.

Semanas atrás, pesquisa Gallup mostrou que 79% dos democratas confiam na ciência, em contraste a 45% dos republicanos (confiança dos independentes é de 65%). A última vez em que o Gallup fez esta pergunta foi em 1975. Na ocasião, a confiança dos republicanos na ciência era de 72% – houve uma queda de 27 pontos desde então.

O partido de oposição nos EUA é retrógrado, obscurantista e autoritário. Darwin, socorro!

Há uma deputada republicana, Marjorie Taylor Greene, ligada ao grupo conspiratório e antissemita Qanon, que não para de causar controvérsias, com estas comparações idiotas entre vacinas e máscaras com as trevas nazistas. Semanas atrás, ela até fingiu remorso e foi visitar o Museu do Holocausto em Washington para aprender história. Tudo inútil. A maluca é reincidente e diz agora que as campanhas de vacinação do governo federal, indo de casa em casa, para convencer os relutantes, podem ser comparadas às operações paramilitares nazistas nos anos 1930.

Claro que os perigos que rondam os judeus em todas partes não procedem apenas desta direita obscurantista, charlatã e paranoica, da qual o bolsonarismo é ilustre representante no Brasil. A esquerda (ou o que podemos chamar de progressistas) não resiste às tentações com sua obsessão com a causa palestina, deixando de lado ou relegando tantos conflitos e injustiças por este mundinho.

Falei bem mal da direita obscurantista, mas dou uma guinada no final desta coluna para alvejar a esquerda arrogante, dona da verdade e, mais importante, seletiva na sua indignação. É uma esquerda que decide quais sabores são palatáveis e quais não. Para pegar embalo na analogia, aproveito para alvejar a marca de sorvete Ben & Jerry.

Há 20 anos, Ben Cohen e Jerry Greenfield venderam a empresa para a Unilever, mas ainda tocam o negócio e agora decidiram que nada de vender sorvete nos territórios ocupados por Israel (em Israel em si, tudo bem).

Muita hipocrisia selecionar Israel como o pior dos males, alvo preferencial de boicotes. Não vou pagar na mesma moeda e devo seguir me derretendo pelos sorvetes Ben & Jerry, apesar do preço salgado, das calorias e do seu sabor político.

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