Homenagem ao grande benemérito Charles Cohab Z´L

Charles Aboulafia - Especial para a TJ

“É muito difícil falar na Mishmará de alguém que foi, ao mesmo tempo, avô, pai, mentor, investidor, professor, amigo.

É difícil, também, escolher sobre o que falar de alguém que tem amplas e diversas qualidades. Mas por tudo o que meu avô fez pela família, não seria justo se não deixasse registrado em sua Mishmará pelo menos algumas de suas virtudes e grandes lições de vida que aprendi diretamente com ele.

Quando eu era pequeno, tive o meu primeiro contato com a Torá através do meu avô. Ele pedia que eu me sentasse ao seu lado e liamos juntos o Pirkei Avot, o seu livro favorito, e me explicava as mishnayot. Hoje eu percebo que os maiores ensinamentos que tive do Pirkei Avot foi conviver com ele.

Seu Charles leu para mim este pensamento:

“Que a porta de sua casa fique bem aberta e que os necessitados façam parte de sua casa.”

Quando escutei, eu pensei que este ensinamento era algo que só funcionava na época, quando não existia portaria, portão duplo, interfone, elevador. Para que serviria, nos dias de hoje, deixar a porta de casa bem aberta?

Mas Seu Charles demonstrou durante toda a vida, a mim e a todos que frequentavam a sua casa, que esta Mishná ainda é atual.

Era difícil ir visitar o meu avô e não encontrar algum necessitado na sua casa. E quando não tinha nenhum, a chance de escutar o inesquecível toque do interfone, que soava na casa toda, era extremamente alta.

Uma noite, três anos depois de ter se mudado para a Avenida Higienópolis, fui visitá-lo e encontrei no hall de entrada Silas, o faxineiro do prédio onde meu avô morava na Rua Rio de Janeiro. Ele estava bem arrumado, com uma camisa de manga curta, calça e cabelo penteado com gel. Eu fiquei surpreso com a presença dele e perguntei: “Silas, está tudo bem?” Ele me respondeu: “Está sim, Chacha, eu só vim matar a saudade do Sr. Charles. Você sabe que eu trabalho de faxineiro de prédios faz 40 anos e nunca nenhum morador me convidou para sentar na sala dele. Sr. Charles me convidava, batia papo comigo e me servia um café”.

Logo depois da shivá, fui rezar na sinagoga do Ruv. Quando terminou a tefilá, encontrei uma pessoa necessitada que frequentava a casa do meu avô. Ele me pediu um favor, para que eu sentasse ao lado dele. Eu sentei e ele me falou: “O mundo acabou de perder um planeta. Eu quero que você saiba que eu nunca conheci ninguém igual ao seu avô, ele me recebia, me servia café, perguntava como estava a minha família e eu nunca senti que tinha qualquer diferença entre eu e ele”.

Meu avô leu para mim este pensamento:

“Que o dinheiro do próximo seja tão querido quanto ao seu”.

Seu Charles trabalhava com retidão e honestidade. Ele fabricava matéria-prima e a vontade dele ao vender era que seus clientes tivessem lucro com o produto dele. Ele se esforçava para fabricar e entregar o melhor produto possível.

Ele repetia frequentemente: “Live and let live”.

Mas o maior aprendizado que eu tive, foi quando eu estava em Miami com ele. E como todos os jovens, eu acompanhava os últimos modelos dos produtos eletrônicos e seus preços. Eu fiquei sabendo que uma rede de eletrônicos, chamada Incredible Universe, estava liquidando todos seus produtos com um desconto progressivo onde, cada semana, o que sobrava abaixava mais 10%. Eu não dirigia ainda, então pedi ao meu avô me levar lá, e ele gentilmente fez a minha vontade. Apenas entramos na loja, eu vi uma cena que até hoje nunca mais vi. Produtos novos, últimos modelos, no chão, com até 70% de desconto comparado com o mesmo produto em outras lojas. Não deu um minuto dentro da loja e meu avô virou para min e falou: “Hyaty, vamos embora”. Eu perguntei: “Por que vovô?” E ele me respondeu: “Esta loja faliu, alguém deve ter perdido muito dinheiro, eu não consigo nem ver esta cena e não vou me aproveitar desta situação”.

Kehilá Sefaradi

Gostaria agora de ler as condolências do rabino Aharon Hamoui, da kehilá sefaradi de Boston: “Sinto em saber do seu avô. Ele era um grande homem e Tzadik, e um dos fundadores da nossa sinagoga. Ele mereceu ter uma vida longa e ter Nahat de seus filhos e netos. Alav HaShalom”.

O que chama a atenção nas condolências não é o fato do Seu Charles ter sido um dos fundadores desta sinagoga de Boston, pois quando o assunto era chessed, ele não fazia nenhuma conta, nem de valor, nem da localização, nem qual era a linha religiosa, nem se era para uma instituição ou para um necessitado.

O que chama atenção foi escutar como esta sinagoga foi fundada, e esta história eu escutei diretamente do Rabino Hamaoui. Seu Charles foi acompanhar o meu tio Mauricio à faculdade em Boston e teve que passar um Yom Kipur em um minian sefaradi em um salão alugado. O então presidente da comunidade, Edmond Chams, levantou-se e se dirigiu ao kahal, explicando os novos planos para a kehilá, pedindo a colaboração de todos para a construção de uma nova sinagoga. Seu Charles, ao ver os valores sendo doados, interrompeu o processo e falou ao presidente:
“Com estes valores ficara difícil construir uma sinagoga, o kahal tem que entender que nem todo dia temos uma oportunidade desta e para construir uma sinagoga, tem que se fazer um sacrifício”. E ao mesmo tempo se comprometeu com uma doação alta. O Sr. Chams se sensibilizou ao ver um estrangeiro, que nunca tinha frequentado a kehilá e nem tinha planos de usufruir desta nova sinagoga, esforçar-se para o projeto avançar, e decidiu acompanhar também com um valor alto. E assim fizeram os outros membros do kahal até completar o valor necessário.
O meu avô, via guemilut hassadim, como uma oportunidade, mas o mais importante é que ele não se isentava da responsabilidade das situações apresentadas em sua vida, independentemente de sua complexidade, porque ele entendia que era Hashem que as colocava, exatamente como está escrito no Pirkei Avot: “Se eu não for por mim, quem será por mim? E se estou apenas para mim, o que sou eu? E se não agora, quando?”

Powered by WP Bannerize

Powered by WP Bannerize

Powered by WP Bannerize

Powered by WP Bannerize

Powered by WP Bannerize