Família Douek doa Torá ao Museu Judaico

Desirée Suslick - Especial para a TJ

Um Sêfer Torá trazido do Egito para o Brasil no início da década de 1960 enriquece o acervo do Museu Judaico de São Paulo. Doado pela família Douek, é o primeiro sefaradita do acervo e ocupa um lugar de destaque no centro do Aron Hakodesh na ala de costumes e tradições da entidade.

Em uma cerimônia emocionante ao som de uma melodia tipicamente sefaradita, a Torá foi levada até a Bimá por representantes de várias gerações da família Douek. A data para o evento não foi escolhida por acaso. Marca o dia determinado pelo Parlamento israelense em 2014 em Lembrança aos Judeus Refugiados dos Países Árabes e Irã.

Entre os presentes ao evento, o presidente do Museu, Sérgio Simon, que destacou a importância desta doação para o acervo e para a disseminação da cultura judaica no Brasil; Ricardo Berkiensztat, vice-presidente da Federação Israelita do Estado de São Paulo; rabino Samy Pinto, líder religioso do Templo Israelita Brasileiro Ohel Yaacov, e representantes da comunidade sefaradita, entre outros. A cerimônia foi conduzida por Roberta Alexandr Sundfeld, diretora de Acervo e Memória do Museu.

Abramo Douek, representando a família, explica que a ideia de doar um dos Sifrei Torá trazidos pela família, em 1960, surgiu durante sua primeira visita ao Museu Judaico de São Paulo. “Durante a visita, percebi que o Museu possuía um bom acervo sefaradita, mas notei que na Bima, o ponto central e mais importante de uma Sinagoga, não havia nenhum Sêfer Torá com características sefaraditas”.

Após esta visita concluiu que seria importante para o Museu e para as futuras gerações da família Douek doar uma das duas Torot que seu pai, Josué, e seu tio, David, trouxeram do Egito e que estavam guardadas no Templo Ohel Yaacov – a sinagoga que acolheu a família desde a chegada ao país e à qual esta tem se dedicado desde então.

Judeus do Egito

O Sêfer Torá doado ao Museu Judaico foi exposto pela primeira vez para a comunidade judaica em geral durante a exposição “Judeus do Egito – 70 Anos de Exílio”, realizada na Galeria de Arte de A Hebraica de São Paulo, durante os meses de junho e julho últimos, que marcou os 70 anos da expulsão dos judeus dos países árabes e Irã. A decisão de emprestar o Sêfer Torá para a exposição e a reação dos visitantes da mostra consolidou a certeza de que este deveria estar em um lugar de destaque em um local acessível à comunidade maior.
A epopeia dos dois Sifrei Torá trazidos pela família Douek começou no final da década de 1940 e culminou com a expulsão dos judeus dos países árabes e do Egito em particular nas décadas seguintes, estando relacionada a vários fatores: a criação do Estado de Israel em 1948, a mudança do regime político de monarquia para república, em 1952, e a ascensão dos militares ao poder, primeiro com o general Mohamed Naguib e, a partir de 1954, com Gamal Abdel Nasser, e a Crise do Suez, em 1956, que envolveu diretamente Egito, Inglaterra, França e Israel.

Fortalecido no fim do confronto, o então presidente Nasser declara todos os judeus sionistas e os considera inimigos do Estado, justificando assim a sua expulsão. No mesmo ano, o grão-rabino do Egito, Haim Nahum Effendi, negocia com o governo a partida gradual dos judeus em até cinco anos.

Sobre esta época, lembra Sami Douek, filho de David. “O grão- rabino Effendi anuncia na Sinagoga do Cairo o momento de deixar o país durante a comemoração das Grandes Festas em setembro de 1960. Este foi um momento que presenciei com meus pais e meu avô Ibrahim. Eu tinha 11 anos e fiquei definitivamente marcado por este momento… Sempre nas Grandes Festas, a saída da sinagoga era festejada com abraços e sonoros Shaná Tová, mas não no Cairo de 1960. O ano novo se iniciaria com a chegada do momento da nossa comunidade deixar o país por orientação do nosso grande guia espiritual e religioso. Um momento difícil que me cala até hoje.”

Pedido à comunidade

Abramo lembrou que o rabino Effendi também fez um pedido à comunidade: ao partir, quem pudesse, levar consigo Sifrei Torá, pois provavelmente o que fosse deixado, seria destruído pelas autoridades. Foi assim que, atendendo a este apelo, Josué e David Douek, os últimos dos sete filhos do patriarca Ibrahim a deixar o Egito, decidiram levar consigo dois, apesar dos riscos.

A lembrança da partida ficou na lembrança de Abramo de tal forma que, ao falar sobre aquele dia, não consegue esconder a emoção. Relatou o momento em que um policial se aproximou de seu pai para ver o que ele carregava, sendo energicamente detido: “Isto você não toca, disse-lhe meu pai”. O policial, que alguns minutos antes tirara de sua carteira uma moeda que ele levava de lembrança, deteve-se e afastou-se em seguida sem nada fazer.

“Foi uma manhã muito simbólica para o Museu Judaico: marcamos o Dia da Lembrança dos Judeus Refugiados Países Árabes e Irã, recebemos nossa primeira Torá sefaradi da família Douek e pudemos receber a comunidade sefaradi no Museu. Tudo isso na semana em que comemoramos um ano de abertura com o marco de 45 mil visitantes. A generosidade da família Douek estará para sempre marcada em nosso Museu”, disse Roberta Alexandr Sundfeld.

Passadas décadas do dia em que Josué e David Douek deixaram o Egito com suas famílias, o Sêfer Torá trazido por eles ocupa agora seu justo lugar de destaque no Aron Hakodesh do Museu Judaico de São Paulo. Sobrevivente da tentativa de apagar a herança de uma outrora pujante comunidade judaica no Egito. TJ

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