A comunidade judaica é plural, mas eu tenho os meus votos para Rosh Hashaná

Caio Blinder - Especial para a TJ

Shaná Tová! E quais são meus votos para o ano novo? Para quem não percebeu meu trocadilho infame, eu estou conversando de política e eleições. Então vou começar falando da realidade (geográfica) mais próxima dos meus leitores da Tribuna. Meu voto para o Brasil é desesperançoso.

Em outubro, é voto contra Bolsonaro. O capitão precisa ser rebaixado, precisa ser despachado do poder. Eu sei que muita gente da comunidade judaica votou no “seu Jair” em 2018. Aqui não é espaço para reflexões retrospectivas, mas quero destacar um ponto. Sempre me irritou a pirraça com fedor antissemita de tanta gente de esquerda jogando a comunidade judaica no saco do Bolsonaro, fazendo uma associação maledicente entre judeus e fascismo (entre Israel e fascismo).

Ora, ora, típico preconceito. A comunidade judaica é plural. Nem todos os judeus aplaudiram as diatribes de Bolsonaro na infame aparição dele na Hebraica do Rio. Aliás, pelo que me contaram, havia uma multidão de judeus protestando na porta da Hebraica. Judeus do Rio estavam bem polarizados. Há judeus bolsonaristas, como há judeus no PSOL. A piada clássica vale mais do que nunca: onde há dois judeus, há três opiniões. A gente sabe como é uma família judaica.

Em termos mais amplos, a gente sabe que a comunidade judaica brasileira (em larga escala de classe média, em processo de deterioração socioeconômica) segue os padrões da classe média. No seu pluralismo, ela foi basicamente brasileira e não tanto judaica. Em 2018, houve um repúdio significativo ao petismo. No pêndulo político-eleitoral, o cenário agora é de repúdio ao bolsonarismo.

Escrevo no final de agosto e muito vai rolar na campanha em setembro, até a votação no primeiro turno. Os sinais, neste momento, são de vitória de Lula, talvez já no primeiro turno, mas a lógica nos remete para um cenário de mais sufoco e de polarização. Bolsonaro, como qualquer ocupante do palácio, é beneficiado pelo mero exercício do cargo e pelos auxílios de emergência. Ademais, o sentimento antilulista deve dar uma vitaminada. Mesmo assim, aposto com tranquilidade em Lula de volta ao poder.

No meu repúdio a Bolsonaro, não fico em cima do muro como na eleição de 2018, quando anulei o meu voto. Não quero fazer isso duas vezes, significa fugir à luta. Imagine, já votei em gente muito ruim do antigo MDB, em nome do voto útil contra a ditadura. Momento histórico de dar utilidade ao voto, dando um pontapé no traseiro do capitão.

E qual o principal motivo do meu repúdio tão retumbante? A resposta é muito simples: Bolsonaro está nas cercanias do fascismo, ao estilo Trump. Meu amigo, o jornalista americano Brian Winter (com longa vivência e conhecimento do Brasil), fez uma observação interessante e inquietante no Twitter. Ele está acompanhando sua quinta eleição presidencial brasileira como jornalista e analista e há uma diferença acintosa neste 2022: um dos dois principais candidatos provavelmente não deve aceitar os resultados caso perca.

Este é o foco, meu foco é cívico. Sou a favor da democracia e Bolsonaro não é uma democrata. Se pudesse, implantava uma ditadura. Afinal, nunca escondeu sua simpatia por ditadura e por tortura, no Brasil, no Chile ou em Marte. Eu tenho horror a negacionista, horror ao Bolsonaro que negou o valor da vacina, horror ao Bolsonaro que nega o valor das urnas eleitorais brasileiras.

Tenho alguma inquietação sobre a reação do bolsonarismo raiz, submetido a lavagem cerebral, diante dos resultados eleitorais. Não antevejo no Brasil algo ao estilo trumpista da insurreição do 6 de janeiro (a tentativa de golpe incitada pelo ex-presidente para impedir a formalização do vitorioso Joe Biden naquele começo de 2020). Mas, podemos ter baderna insuflada pelo comportamento de loser amargo de Bolsonaro.

Ataque preventivo

Neste contexto, meu voto político é por uma vitória de Lula no primeiro turno, num ataque preventivo para neutralizar os arroubos negacionistas e antidemocráticos da horda bolsonarista. Seria péssimo para o Brasil viver no limbo de outubro, esperando um segundo turno, num limbo em que o bolsonarismo se comportaria de maneira infernal. Creio que ele vai infernizar de qualquer forma, num turno permanente de balbúrdia. Afinal, gente da estirpe de Bolsonaro prefere muito mais botar fogo do que apagar incêndios.

Eu já comentei com muita gente que minha oposição a Lula começa assim que saírem os resultados da eleição (e enfatizo que espero isso ainda no primeiro turno), mas a prioridade cívica é enxotar Bolsonaro do palácio. Claro que lamento alguém como Lula se recusar a largar o osso. Acho um horror esta falta de renovação.

Imagine, eu deixei o Brasil em 1989 e Lula era candidato contra Collor. Escapei de fazer escolhas naquele ano e lamento que novamente tenhamos Lula na cédula, um sujeito sortudo que soube surfar na cama arrumada por FHC (Plano Real) e na onda de commodities. Em um novo mandato e um novo momento histórico, Lula não terá esta sorte. Ele é um velho de cabeça velha.

A velhice e a falta de renovação que representam o lulismo me remetem a outros votos muito próximos para mim neste ano novo começando. O primeiro é em Israel. Voto de repúdio a Netanyahu. O Likud nunca foi minha praia e ela ficou ainda mais inóspita com este culto à personalidade. Netanyahu se recusa a largar o osso. A política israelense não pode girar em torno dele.

Sei que existe uma paralisia e que no momento não existe em Israel nenhum bloco capaz de governar solidamente, mas como Netanyahu atrapalha e tumultua. Israel caminha para mais uma eleição. Itália é ali, da instabilidade política e das coalizões bizarras de poder.

Ironicamente, Israel hoje é um país de direita e com Netanyahu fora da arena quem sabe seria mais fácil costurar uma coalizão direitista mais sólida.

Claro que não é o meu desejo um triunfo conservador. Acho muito razoável o que representam Lapid e Gantz, o centrismo sensato em política externa e, tão vital para mim, a ojeriza à hegemonia dos ortodoxos na vida dos israelenses. Também me gera um certo alento ver os segmentos da população árabe-israelense participando do jogo eleitoral, sem negar a realidade que é o estado de Israel majoritariamente judaico, mas plural.

Eleições nos EUA

E sobre meus votos de ano novo, claro que vou arrematar com as eleições aqui em casa, nos EUA. Não está em jogo a presidência nas eleições de novembro, mas o controle do Congresso. Para mim, é crucial impedir o triunfo do trumpismo que se apossou do Partido Republicano e cuja pedra de toque é este negacionismo eleitoral.

O Partido Republicano traiu os ideais do seu fundador Lincoln, hoje é um puxadinho desta infâmia que é o trumpismo, uma chaga que se alastra pelo mundo. Trump é o inspirador de um movimento de fedor fascista e o cheiro está espalhado, seja no bolsonarismo brasileiro, seja na Hungria de Orbán. O jogo está incerto. Pelos rituais políticos de eleições em que a Casa Branca não está em jogo, a oposição deveria faturar em novembro, mas o PT (Partido Trumpista) é tão aloprado, tão reacionário, que isso dá esperanças aos democratas de ao menos conterem os danos.

Estes aí são meus votos nada secretos. Falta mencionar um voto político (e não eleitoral). São meus desejos de que a resistência ucraniana siga determinada para conter o assalto putinesco. O ditador russo cometeu um tremendo erro de cálculo com a invasão de fevereiro. Não creio que no horizonte esteja a sua derrota, mas ao menos estão meus votos para que ele não seja vitorioso.

Powered by WP Bannerize

Powered by WP Bannerize

Powered by WP Bannerize

Powered by WP Bannerize

Powered by WP Bannerize