A coalizão de governo com participação árabe é essencial para os interesses de Israel

Caio Blinder - Especial para a TJ

Eu tenho dito que estou obcecado por quatro assuntos: Ucrânia, Ucrânia, Ucrânia e o resto do mundo. E mesmo quando trato do resto, de alguma forma busco alguma conexão ucraniana, como foram os casos de últimas colunas abordando Israel e judaísmo dentro do contexto da invasão russa da Ucrânia deflagrada em fevereiro.

Aliás, não está fácil para o governo israelense caminhar no campo minado que é a crise ucraniana. Ficou mais difícil manter uma acrobática neutralidade diante das barbaridades praticadas pela ditadura de Putin, as pressões da comunidade judaica, dos países ocidentais e da própria sociedade israelense. Como não apoiar a Ucrânia, um país que luta por sua integridade, soberania e independência em meio a acusações da propaganda russa de que seja nazista?

Não estou acometido de fadiga de Ucrânia, como é comum entre consumidores regulares de notícias. Sabemos que não é fácil para nós, produtores de jornalismo, cativar um consumidor por muito tempo com um tema só. No entanto, admito que tenho interesse no imenso resto, com um lugar de destaque obviamente reservado para a geleia geral que é política doméstica de Israel. Portanto, após um tempão, vamos mergulhar na geleia.

Estou no campo daqueles que sempre torceram muito pelo sucesso da miraculosa coalizão de governo de oito partidos liderada por Naftali Bennett, que vai da direitona que ele representa, passando pela velha esquerda e chegando a um partido árabe, a rigor, islâmico. Nunca, tive a ilusão de que a mágica vive sob risco permanente de desvanecer.

Na verdade, no milagre dentro do milagre, é incrível que a persistência da coalizão tenha sobrevivido tanto tempo no campo minado da política israelense e em razão de sua fragilidade intrínseca. Ironicamente, é a fragilidade que contribui para sua sobrevida, pois ela ganha experiência no status permanente da precariedade.

No entanto, é claro que numa coluna mensal a gente sempre corre o risco de ser atropelado pelos fatos. Afinal, os golpes contra a coalizão são constantemente desferidos pela esquerda e pela direita, com o inefável Benjamin Netanyahu sempre sabotando o arranjo. De novo, a ironia é que o fantasma deste sabotador por excelência que é o ex-primeiro-ministro de Israel acaba sendo um oxigênio para o governo de Bennett. Bibi sem dúvida tem uma base sólida, que podemos chamar de culto, mas ele é alvo de um ódio visceral, mesmo da parte de políticos e setores da população que compartilham suas ideias. Nunca escondi que embora tenha algum respeito por algumas conquistas de Bibi, ele está na coluna (sic) de políticos pelos quais nutro azia.

Mas vamos nos concentrar na coalizão de Bennett. Basta ver que no final de maio, a parlamentar de extrema esquerda do Meretz, Ghaida Rinawie Zoabi, de origem árabe, retornou ao aconchego da coalizão, três dias depois da deserção. Foi uma encenação meio patética e olha que as performances farsescas na política israelense são épicas. Rinawie Zoabi ao anunciar sua deserção na televisão disse que a palavra de uma mulher árabe nunca é rompida. E três dias mais tarde…

Bibi x Zoabi

Bibi claro foi a carga contra Zoabi (imagine, mulher, árabe e integrante de um partido de esquerda majoritariamente judaico). Ele acusou Bennett de suborno ao conceder verbas para um setor árabe representado por Zoabi. Que coisa, suborno? Mas, este é o modus operandi de política em qualquer lugar do mundo. As coalizões de governo chefiadas por Bibi sempre sobreviveram graças à grana distribuída aos pequenos partidos religiosos.

Bennett não teve tempo para relaxar. Aí aconteceu a renúncia do chefe da Casa Civil, Gan Zvi, supostamente eternamente leal a Bennett desde que ele entrou na política há dez anos. Seu papel era essencial para defender o flanco de direita, em particular desde que uma parlamentar do partido de Bennett, Yamina, caiu fora da coalizão reclamando de excessivas concessões para a esquerda. Aliás, a esquerda se queixa de muitas concessões para a direita. O que esta gente queria em uma coalizão tão elástica?

E temos os dois partidos árabes no rolo. Um deles, o Ra’am integra a coalizão. O outro, o Lista Unida, está fora, mas é seu respaldo indireto que impede a implosão da coalizão em um voto de confiança no Parlamento. Aliás, verbas também são concedidas a distritos dos deputados da Lista Unida, que se recusam a participar do “jogo sujo” dos sionistas, exceto na hora do dinheiro. Eu posso dar mais detalhes de chororô, armadilhas, dilemas de cada ator e ameaças ao longo do espectro da coalizão, mas confesso nem acompanhar assim com tanta atenção as minúcias políticas e creio já ter dado o quadro geral da geleia.

Não podemos carregar na dose de cinismo sobre a política israelense, devemos entender a realidade e a proeza que foi a costura desta coalizão, após sucessivas e fúteis rodadas eleitorais. Não existe milagre, ainda mais espetacular capaz de romper o quadro de paralisia eleitoral em Israel. Para Bennett, é desafio semana atrás de semana. A esperança do primeiro-ministro é sobreviver até o final de julho, quando começa o recesso parlamentar. Aí, o plano é sobreviver até o final do ano, quando a sessão de inverno (no hemisfério norte) começa. Meio barrigudinho, o negócio de Bennett é empurrar com a barriga.

Suor por cada voto

O que mais a ser feito? Este é um governo que depende e sua para conseguir cada voto. Não há como negar o desgaste que representa a preservação desta coalizão e muita gente que acompanha a política israelense com mais atenção e conhecimento alerta que, caso ocorra a implosão da coalizão liderada por Bennett e o centrista Yair Lapid, um novo governo será relutante para costurar alianças entre judeus e árabes, reforçando o tribalismo político. Basta ver que uma pesquisa de opinião pública divulgada no final de maio pelo The Jerusalem Post mostra que quase 70% dos israelenses são contrários à participação de um partido árabe em uma coalizão de governo. E precisamos atentar que muita gente avessa a este perfil de coalizão, de cooperação árabe com um governo sionista, é árabe-israelense (quase 40%).
Puxa vida, foi o maior sufoco costurar esta coalizão. Políticos judeus e árabes atravessaram linhas vermelhas para que o milagre acontecesse. Será triste o fracasso desta experiência envolvendo um pequeno partido direitista (o de Bennett), o difuso centro comandado por Yair Lapid, e um militante islamista (Mansour Abbas).

Temos muitos motivos para entender o desencanto nacional no aqui e agora (tanto de judeus, como de árabe-israelenses), tudo isso acentuado por extremistas judeus, o Hamas e é claro por Netanyahu. Para este último, sempre faltou a visão estratégica de que a participação de um partido árabe é algo que o projeto sionista deveria cultivar a longo prazo, afinal 20% da população do país é composta de árabe-israelenses.

Eu não tenho dúvida que um país mais integrado terá melhores condições de enfrentar seus desafios no futuro, todos eles, sociais, econômicos e de segurança. De que adianta Israel normalizar relações com países árabes se não consegue fazer o mesmo com árabes dentro de casa?

Um retorno de Netanyahu ao poder (em um eventual cenário de novas eleições e sua habilidade para costurar uma coalizão) será um retrocesso. Israel ganha com a aposentadoria definitiva de Netanyahu como seu líder e perde muito se descartar a participação árabe no consórcio de poder. TJ

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