Floriano Pesaro: Shalom Bait – A paz no nosso lar

Floriano Pesaro – Especial para a TJ

Nos ensinamentos que recebemos de nossos rabinos e nossas famílias, é comum a referência à paz como um dos principais objetivos que devem guiar nossas ações. A paz não é um fim em si mesmo, é um processo, uma trajetória que envolve reflexão, firmeza, mas, também, sucessivas concessões.

Quando pensamos em construir a paz, no entanto, é comum falarmos da porta para fora, quando, na verdade, cada vez mais, infelizmente, assistimos cisões sensíveis dentro da própria comunidade.

É notório que a diversidade de opiniões e expressões deve ser preservada e celebrada, mas delas não podem florescer fraturas que interrompam o diálogo e a fraternidade que unem de maneira indivisível nossa comunidade.

Vez ou outra, nos atentamos quando perigosos desentendimentos ocorrem, mas demoramos a agir antes que seja tarde. É essa a oportunidade que nos é, agora, dada no Brasil.

Um dos conceitos que nos é ensinado pelos rabinos é o de “Shalom Bait”. É verdade que ele se circunscreve à paz no lar, no seio da família, como uma das condições mais sagradas e que deve ser perseguida por todos nós.

Conta-se que Rabi Meir certa vez, durante serviços na sinagoga, foi alertado pelo profeta Elias de que uma mulher havia sido expulsa de casa pelo marido por ter frequentado seu sermão até tarde da noite.

Elias ainda disse que o marido da mulher propôs que, para se redimir, ela cuspisse no rosto do rabino com quem dividiu os ensinamentos naquela noite. Ao saber, Rabi Meir, no dia seguinte, pediu que a mulher lhe cuspisse sete vezes no olho dizendo que este o estava incomodando.

Enquanto todos estavam surpresos devido à humilhação que se submeteu Meir, ele disse a mulher: “diga ao seu marido que ele mandou você cuspir uma vez, e você o fez por sete vezes”.

Com a ascensão da mulher nas relações sociais e a necessária reparação ao papel de submissão do episódio, o que fica como ensinamento reside na preciosidade de Shalom Bait para nossa comunidade. Mais importante do que a manutenção da honra, é a conjugação de esforços pela paz no lar.

Essa concepção de lar nos dias atuais pode ser ampliada. Lar é onde encontramos pessoas com as quais compartilhamos respeito, confiança, carinho e, até mesmo, crenças. A comunidade judaica é conhecida pelos fortes laços entre seus membros, que nos faz fortes e resilientes, Nossa comunidade é, portanto, nosso Bait nos quatro cantos do mundo.

Grupos políticos

Nesse sentido, há alguns anos, sabemos, judeus brasileiros, da tentativa de grupos políticos em imprimir às suas causas um imaginário em torno de Israel e do pretenso apoio unânime da comunidade por meio do uso extensivo da bandeira nacional israelense.

Contudo, somos bastante experimentados pela História. Sabemos dos riscos que corremos quando tentam nos dividir e impor determinados rótulos, de modo a fazer com que Israel e nossa comunidade caibam no simbolismo que alguns o querem.

Nossos ancestrais que viviam no Reino da Sicília deixaram na História importantes lições para que possamos refletir. Nos idos de 1300, sob o reinado de Frederico II, a comunidade judaica na região era marcante.

Assim como em todos os lugares onde os judeus foram assimilados, aceitos e respeitados, a Sicília de outrora viu, por décadas, seu progresso econômico, social e educacional disparar e se tornar referência na região estratégica – entre a Europa, a África e o Oriente Médio.

Contudo, a fidelidade e a proximidade dos judeus sicilianos ao reinado não lhes pouparam da traição. Com a ascensão, nos idos de 1490, do casal Fernando de Aragão – Fernando II – e de sua esposa, Isabel I de Castela, buscou-se a erradicação de todos aqueles que não eram católicos e, por consequência, a determinação de conversão forçosa ou expulsão de toda a comunidade judaica que vivia na Sicília.

Nada importou a relação próxima que a comunidade sempre manteve com o vice-reinado da Sicília ou os serviços prestados que alçaram a região a um status de entreposto comercial europeu. Tudo lhes foi retirado sem a menor cerimônia e – como de costume – aos judeus foram impostas “culpas” absurdas, como o fato de o casal real não conseguir ter um sucessor do sexo masculino.

Nós, judeus brasileiros, sabemos o que somos, nossa contribuição ao Brasil e o que Israel representa como sociedade plural e democrática.

Nossas distinções devem ser celebradas e não coibidas numa tentativa para que pareçamos um grupo homogêneo em apoio daquele ou desse grupo político de ocasião Tampouco estas mesmas diversidades, que nos fortalecem como povo judaico, não podem servir de combustível para divisões e fraturas em nosso seio social. É fundamental, como nos ensina Rabi Meir, buscar a paz em nosso lar acima de toda e qualquer questão.

Qualquer esforço contrário estará colocando a todos nós em situação de risco quando os ventos mudarem.

Atentemo-nos. É nossa responsabilidade manter a bandeira de Israel e nossa coesão como comunidade judaica acima de questões político-partidárias e de discordâncias, que não podem se sobrepor a nossa união enquanto povo judeu.

Floriano Pesaro, sociólogo.

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