Política de Biden no Oriente Médio terá continuidade e ruptura com governo anterior

Caio Blinder - Especial para a TJ

Quem acompanha esta coluna está habituado com uma das minhas obsessões: Donald Trump. Como o desafio lançado por Lucas Mendes no Manhattan Connection, aqui será o mesmo. Vocês não lerão mais o palavrão escrito no resto desta coluna.

O ex-presidente será alcunhado com outros palavrões. O meu favorito hoje em dia é incitador de insurreição, por seu papel na invasão do Capitólio em 6 de janeiro por supremacistas brancos. Como um judeu pode apoiar este execrável ex-presidente?

O plano claro é falar cada vez menos do palavrão e eu espero que, com o passar do tempo, os piores temores não se concretizem: ele continuar a demonstrar força política, o que é sempre possível com um movimento movido pelo culto de personalidade.

Pois bem, o palavrão está no seu exílio em Mar-a-Lago e a Casa Branca agora é habitada por um presidente normal, com seus defeitos e qualidades. Normalidade é algo meio chato e a tendência aqui será escrever com menos intensidade e menos paixão sobre Joe Biden, mas pelo menos esta coluna merece ser dedicada à nova administração do ainda mais poderoso país do mundo.

Existe a pergunta clássica: cá entre nós, Biden é bom para os judeus? A resposta das urnas foi simplesmente escancarada: votação recorde do voto comunitário em um candidato presidencial (acima de 70%). Voto, é verdade, estimulado pela ojeriza dos judeus americanos ao palavrão.

Há judeus no círculo íntimo de poder do novo governo, algo que não deve ser muito alardeado para não atiçar ainda mais os supremacistas brancos, que saíram de vez das trevas, com o sinal verde que receberam nos quatro anos de desgoverno do palavrão. Lembram-se de Charlottesville, a marcha dos neonazistas em 2017? E lembram- do massacre em 2018 de 11 judeus na sinagoga de Pittsburgh?

Biden não é casado com uma judia (a vice Kamala Harris tem marido judeu, o segundo cavalheiro), mas o presidente está irmanado com judeus. Alguns dos seus ministros mais importantes são judeus: o secretário de Estado Tony Blinken, a secretária do Tesouro Janet Yellen e o ministro da Justiça Merrick Garland.

Latino e judeu

E a história do secretário de Segurança Doméstica é incrível. Seu nome é Alejandro Mayorkas. Sim, latino e judeu. Seu pai era um judeu sefaradita, dono de fábrica em Havana e sua mãe, judia romena, que chegou ao país fugindo do Holocausto. A família se refugiou nos EUA depois da revolução castrista.

Outra história fascinante é a de Blinken, o novo secretário de Estado (cargo que já foi do judeu alemão Henry Kissinger). Ele nasceu em um subúrbio de Nova York, em uma família conhecida por seu apoio ao projeto sionista. Filho de pai e mãe judeus, Blinken se mudou ainda criança para Paris, quando a mãe se divorciou e casou com Samuel Pisar, uma figura lendária do judaísmo global.

Quem era este padrasto de Blinken? Um dia, em outubro de 1986, um advogado americano altamente conectado com presidentes e líderes empresariais no mundo todo foi abordado em um hotel de Moscou por um grupo de judeus soviéticos, em busca de apoio para a comunidade.

O advogado Samuel Pisar, um famoso sobrevivente do Holocausto, falava russo, além de outras línguas. Ele visitava Moscou como parte de uma delegação do Congresso Judaico Americano. De repente, ele estava na situação de solicitar a um juiz soviético a libertação de cinco judeus do país que tinham sido presos sob acusação de provocar distúrbios durante a celebração de Simchat Torá. Pisar era um advogado brilhante e descolou a libertação dos cinco, que tiveram que pagar, cada um, uma multa de 50 rublos.

Pisar era a pessoa talhada para a tarefa: por anos, ele pressionou por maior engajamento ocidental com a ex-URSS e outros adversários, com o argumento de que, entre outras coisas, isso aliviaria a vida de pessoas vivendo sob opressão.

As ideias e ações do padrasto marcaram profundamente a vida de Blinken. Diplomata de carreira com atitude suave, Blinken costuma dizer que a história de Pisar, o sobrevivente do Holocausto, fez sua cabeça sobre a importância de manter o papel dos EUA como um farol de esperança para tantos que vivem oprimidos.

E que inspiração: Pisar, dos mais jovens sobreviventes dos campos nazistas de extermínio, foi libertado por tropas americanas, teve uma vida de penúria, mas acabou recebendo o doutorado em direito de Harvard e da Sorbonne.

Foi conselheiro de presidentes franceses e americanos (do democrata Kennedy ao republicano Nixon), ganhou a cidadania americana por um ato especial do Congresso e escreveu o novo texto para a Sinfonia Número 3 de Leonard Bernstein (Kaddish), na qual compartilha sua história através de uma conversa com Deus. Pisar morreu em 2015 e no final da vida era incansável para preservar a memória do Holocausto.

Agenda internacional

Um dos desafios mais íngremes na missão de Blinken obviamente será o Oriente Médio, onde não mais teremos a relação pessoal promíscua daquele palavrão que deixou o cargo com Benjamin Netanyahu e o príncipe saudita Mohammed bin Salman.

Pode ser uma surpresa, mas tanto Blinken, como Jake Sullivan, o assessor de segurança nacional de Biden (este não é judeu) têm elogiado alguns aspectos da agenda internacional do ex-presidente.

Um dos aspectos claro é o plano de Biden de aprofundar os acordos Abrão, as parcerias entre Israel e vários países árabes costuradas no governo anterior. Biden ressalta que os acordos foram “positivos para a segurança, para o desenvolvimento econômico da região e para os interesses nacionais americanos”.

Desde a campanha, em meio às barbaridades e insultos desferidos contra ele pelo oponente republicano, Biden elogiava a iniciativa diplomática e agora seus principais assessores diplomáticos deixam claro que a consideram a “primeira onda de acordos”.

A ideia será aprofundar a cooperação entre os países do Oriente Médio que assinaram os acordos e fazer com que seja enraizada a normalização, indo além do que Israel conseguiu com o estabelecimento de relações diplomáticas com Egito e Jordânia décadas atrás.

Desafio mais espinhoso será reverter a decisão do ex-presidente de renegar o acordo nuclear com o Irã (do qual Blinken foi um dos negociadores). Aqui será um trabalho cheio de nuances, pois o governo Biden quer retomar o acordo com bases mais rígidas do que nos tempos de Obama, levando em conta a promoção de terrorismo pelo regime iraniano na região e seu prontuário em direitos humanos.

Num ponto, eu concordo plenamente com o novo governo americano: o acordo era imperfeito e precisa ser melhorado, mas rasgá-lo apenas agravou o cenário e fez com que o Irã acelerasse seu programa de enriquecimento de urânio.

E é evidente que Biden é amigo de Israel e profundamente preocupado com o bem-estar do Estado Judeu. Isso é reconhecido inclusive por adversários políticos dos democratas em Israel. A simpatia vai longe.

Biden, de 78 anos, pertence a uma geração que se lembra das guerras de 1967 e 1973. Ele foi criado por pais católicos que sempre expressaram apoio e respeito ao Estado de Israel.

Num discurso em 2015, quando era vice-presidente de Obama, Biden disse que Israel tinha sido abençoado por “uma das maiores gerações de pais e mães fundadoras na história de qualquer nação no mundo: Ben-Gurion, Golda, Begin, Sharon, Rabin e Peres, que construíram uma democracia vibrante e uma das sociedades mais inovadoras no planeta, sempre zelando por sua segurança. Muito mudou, mas este perigo ainda existe”.

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