A marca liberal e a ansiedade sobre antissemitismo entre judeus americanos

Caio Blinder - Especial para a TJ

Joe Biden não pode se queixar dos eleitores judeus e Donald Trump tem todos os motivos para praguejar. Foi espetacular: pesquisas de boca de urna mostraram que 77% dos eleitores judeus votaram no candidato democrata e presidente-eleito, um recorde histórico.

A tradição do esmagador voto judaico pelos democratas persiste há gerações. Os judeus americanos são liberais de carteirinha. E a vasta pesquisa encomendada pelo American Jewish Committee (AJC), divulgada dias antes das eleições de 3 de novembro, é um raio-x detalhado da cabeça da comunidade judaica no país e, não apenas de suas preferências eleitorais, mas de seu estado de espírito em geral.

E neste ciclo eleitoral, havia a urgência. Afinal, Biden colocou o prontuário de Trump sobre supremacia branca no centro de sua campanha. Quanto vezes Trump foi esquivo ou ambivalente quando pressionado a se posicionar sobre supremacistas brancos? Simplesmente patético o contra-argumento de que ele não chancela supremacistas brancos, pois tem genro judeu, filha convertida ao judaísmo e morre de paixão por Benjamin Netanyahu.

Biden, aliás, decidiu entrar no páreo eleitoral depois da infâmia (mais uma) de Trump, ao observar que havia “gente boa” dos dois lados, durante a marcha neonazista em Charlottesville, há pouco mais de três anos.

Sabemos que o bastião mais sólido de apoio de judeus americanos a Trump e aos republicanos em geral está entre os ortodoxos, a destacar os ultraortodoxos. Nova York é hoje uma cidade de um azul estonteante (a cor dos democratas). Uma das poucas exceções é no rincão ultraortodoxo do Brooklyn. E não podemos esquecer que muitos magnatas judeus, como Sheldon Adelson (rei dos cassinos em Las Vegas), há muito tempo são doadores cinco estrelas para os republicanos.

Com base nos resultados da pesquisa do AJC, lideranças comunitárias não escondem a preocupação com o crescente fosso entre a minoria ortodoxa e a maioria que segue as outras correntes do judaísmo, como a conservadora e a reformista. O outro fosso é entre a comunidade judaica dos EUA como um todo e Israel. A opinião pública israelense é um raro caso no exterior que, desde o começo, se mostrou simpática de forma esmagadora a Trump.

Alguns outros aspectos da pesquisa merecem anotação, como o fato dos eleitores judeus tenderem a colocar a política externa lá embaixo na lista de prioridades. Prezam muito mais questões domésticas como saúde (especialmente na pandemia), economia, relações raciais e crime. Contra esta corrente, obviamente, remam os ortodoxos. A questão Israel é prioritária para eles na hora de decidir o voto.

No começo do texto, eu falei que a pesquisa era um raio-x detalhado e a gente fica sabendo disso graças a várias perguntas, entre as 22 do questionário.

Pergunta 13 – quanto é importante estar conectado a Israel para a sua identidade judaica?
Muito importante – 29%
De alguma importância – 30%
Não muito importante- 24%
Sem importância- 17%

Pergunta 14 – como você caracteriza as relações entre EUA e Israel?
Muito fortes – 33%
Fortes- 53%
Fracas – 9%
Muito fracas- 3%

Pergunta 17 – Na política de hoje, como você se considera?
Republicano – 14%
Democrata – 53%
Independente- 25%
Outros- 8%

Pergunta 19 – Quanto é importante ser judeu na sua vida?
Muito importante- 39%
De alguma forma importante- 41%
Não muito importante- 16%
Sem importância- 5%

Pergunta 20 – Como você se identifica?
Ortodoxo- 9%
Conservador – 12%
Reformista – 27%
Reconstrucionista – 4%
Secular- 43%
Não sabe/sem responder- 5%

Pergunta 21 – Qual é o seu estado civil?
Não casado – 47%
Casado com judeu de nascimento- 25%
Casado com convertido ao judaísmo- 3%
Casado com não judeu – 25%

As respostas não exigem análises mais detalhadas, pois já dizem bastante. Acho bacana o leitor refletir sobre os temas e os resultados. Para mim, pessoalmente, existe um sentimento de frustração. Gostaria que houvesse um engajamento maior da comunidade judaica, tanto internamente, como em relação a Israel. Mas, como judeu secular, estou à vontade com os números de engajamento religioso.
Para a pesquisa, foram ouvidas 1.334 pessoas em setembro.

A segunda pesquisa

Quero falar de outra pesquisa, também do American Jewish Committee. Este foi o primeiro estudo já feito sobre o estado do antissemitismo nos EUA. E o estudo mostrou um alto grau de ansiedade entre os judeus e uma inquietante falta de consciência na sociedade em geral sobre a gravidade do antissemitismo no país.

Enquanto 53% dos americanos se dizem familiarizados com o termo antissemitismo e sabem o que significa, quase metade da população não sabe do que se trata. Imagine, 21% nunca ouviram a expressão e outros 25% já a escutaram, mas não sabem muito bem o que significa.

Nenhuma surpresa que conhecimento sobre os significados esteja relacionado com o nível educacional. Assim, 79% com diploma universitário sabem o que é antissemitismo, contra apenas 27% entre aqueles com diploma do curso médio ou menos.

O estudo do American Jewish Congress foi revelado em 26 de outubro, na véspera do segundo aniversário do atentado terrorista praticado por um supremacista branco na sinagoga Árvore da Vida, em Pittsburgh, que provocou a morte de 11 judeus.

O estudo mostra que enquanto quase 9 em 10 judeus (88%) acreditam que antissemitismo seja algo muito sério hoje em dia no país (37%) e de alguma forma um problema (51%), apenas 63% da população americana segue esta linha (com 19% o identificando como muito sério e 43% como de alguma forma problemático).

Não estamos em um patamar de medo dos judeus franceses, mas 24% dos judeus americanos dizem que evitam expor publicamente itens que os identificam como judeus desde o atentado na sinagoga de Pittsburgh. Aliás, a maioria dos judeus afiliados a instituições disseram que elas reforçaram a segurança desde o atentado.

E nesta parte, algo que me diz respeito pessoalmente: mais de 1 em 3 judeus americanos (37%) revelaram terem sido alvos de um incidente antissemita: ataque físico, comentário online, pelo correio ou pelo telefone nos últimos cinco anos. Meu caso claro que é diferente. Como jornalista, eu tenho uma presença pública nas redes sociais, mas os ataques que recebo são basicamente de brasileiros e são muito frequentes, em particular no Twitter.

A postura sobre o Holocausto sempre choca e pincei apenas um dado emblemático: 24% dos americanos sabem muito pouco ou simplesmente desconhecem o que foi o Holocausto.

E tudo está tão polarizado hoje nos EUA, que os resultados da pesquisa indicam que tanto judeus como americanos em geral atribuem mais visões antissemitas ao Partido Republicano do que ao Partido Democrata.

Perguntados sobre a ameaça representada por três fontes primárias de antissemitismo, 89% dos judeus disseram que a extrema direita é uma ameaça, enquanto 61% mencionaram a extrema esquerda e 89% o radicalismo em nome do islamismo.

As conclusões deste ano não diferem das da pesquisa do ano passado, o que é uma má notícia, diante da gravidade do problema. Holly Huffnagle, diretora do AJC para o combate ao antissemitismo, observa que usar o termo antissemitismo é crucial, pois ele cobre um amplo espectro histórico de que como a discriminação contra os judeus se manifesta – de teorias conspiratórias a estereótipos, passando por calúnias.

E, sem sombra de dúvida, a arma básica de combate é a educação. O CEO do AJC, David Harris, ressalta que as duas pesquisas mostram que o esforço deve ser intensificado. A iniciativa do AJC é fundamental diante da pergunta: quem define antissemitismo? Quem é o árbitro? Nada mais legítimo que seja a própria comunidade judaica, como acontece com outros grupos que sofrem discriminação.

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