É extenuante falar de Israel, palestinos e de antissemitismo

Caio Blinder – Especial para a TJ

Ingenuidade não tem idade. Minha coluna passada era tão bem-intencionada e semanas depois ela me deixa constrangido. O propósito era apenas escrever coisas positivas sobre Israel e os judeus. Como ter um estado de espírito positivo semanas mais tarde?
Estão aí as coisas: as explosões de violência em Jerusalém, na Cisjordânia, em Gaza e dentro de tantas cidades em Israel. Tudo geograficamente tão longe da minha vida, certo? E mais perto? O vírus antissemita com suas cepas antissionistas ataca na minha vizinhança.

Em março, eu me mudei para Englewood, cidade vibrante pertinho da ponte George Washington, que liga New Jersey a New York. Englewood é cidade com muitos judeus, muitos ortodoxos modernos. Uma família foi agredida em nome da causa palestina quando saía da sinagoga.

Os ataques antissemitas pipocam em todas as partes do mundo. Que horror! Judeus foram agredidos em frente a uma padaria de bagels na Terceira Avenida com rua 51, em Manhattan. E por que estou tão horrorizado? Antes de tudo, como revidar ao despejo de uma família palestina em Jerusalém tendo o bagel no miolo da questão?

E em segundo lugar, foi nesta padaria que eu comi o primeiro bagel da minha vida, na primeira visita a New York, New York! Comprei o bagel, na sequência o New York Times na banca da esquina (ainda havia banca de jornais naquela época), um café aguado e sentei num pequeno parque na rua 51 ao lado de uma sinagoga. Estava me sentindo um nova-iorquino, um judeu nova-iorquino.

Well, nunca morei na minha vida americana em Nova York. Minhas escalas foram Ohio, Indiana e New Jersey (onde resido desde 1994). No entanto, posso me considerar um judeu americano, pois mais de metade de minha vida foi passada aqui. Estou para fazer 64 anos e assim já me considero encaixado no perfil de recente pesquisa do Instituto Pew, mostrando a defasagem no sentimento dos judeus americanos em relação a Israel.

Conexão emocional

Pois bem, dois terços dos judeus americanos com mais de 64 anos têm uma profunda conexão emocional com Israel. Para a moçada com menos de 30 anos, a taxa está abaixo da metade. Até entendo este distanciamento dos jovens nos EUA, é a marcha da vida e da história, num inexorável processo de assimilação em contraste ao núcleo duro de judeus mais religiosos.

Minha história, claro, é outra. Cenas da minha infância reavivaram por estes dias, dos meus tempos de judeu brasileiro, nascido e criado no Bom Retiro, em São Paulo. Eu tinha nove anos quando da Guerra dos Seis Dias em 1967 e preguei na parede do meu quarto a capa da finada revista Manchete, com Moshe Dayan na capa. Desde então, minha lealdade, sempre incondicional, a Eretz Israel, é acompanhada de um entendimento mais sofisticado das encrencas no Oriente Médio.

No entanto, fiquei chocado quando refiz algumas contas depois de tanto tempo: eu nasci apenas nove anos depois da independência de Israel, com sete anos já era militante da Chazit, o movimento juvenil (e infantil ) sionista, muitos dos meus colegas de “primário” no Renascença tinham pais que conseguiram sobreviver ao Holocausto. O primeiro sócio do meu pai na loja de guarda-chuvas na rua Prates, o seu Berek, tinha o braço tatuado. Lembro do meu espanto quando meu pai me explicou que o sócio escapara vivo de Auschwitz. É evidente que quase aos 64 anos tenha esta profunda conexão emocional com Israel e sobressaltos sobre antissemitismo.
Nada disso me impede de ser cerebral quando analiso a encrenca, afinal, eu vivo disso como jornalista. Imaginem, eu já escrevia textos analíticos na revista Shalom em 1977 (na sabedoria dos meus 20 anos de idade) quando houve a revolução eleitoral em Israel, com o Likud rompendo a hegemonia pós-independência dos trabalhistas. O venerável partido dos pais e mães fundadoras hoje é moribundo. E naquela 1977, me lembro de ter entrevistado um venerável sionista brasileiro, o santista Dov Samir, e na reportagem da Shalom até arrisquei que havia um judeu brasileiro (trabalhista) que um dia poderia ser primeiro-ministro de Israel. Well, depois vieram outras tantas profecias erradas na minha carreira.

Sendo cerebral em 2012 e evitando profecias, especialmente na era high-tech (de Israel agora país rico) era possível meramente ignorar a questão palestina. Que coisa, a questão teima em persistir. E obviamente o antissemitismo teima em persistir e com esta máscara de defesa da causa palestina. Quanta obsessão com Israel. Cadê as marchas pelos curdos, pelos sírios dizimados por Assad e jihadistas, pelos muçulmanos na China, pela moçada em Hong Kong, por cada minoria vítima de genocídio na África?

Dei pitacos sobre estes temas nas redes sociais, no já venerável Manhattan Connection e em comentários que agora faço na TV Cultura. Estou falando e escrevendo sobre Israel, questão palestina e Oriente Médio há 45 anos e nunca é demais para a perplexidade. Nunca na minha vida houve tanta repercussão (a favor e contra, pela esquerda e pela direita) como o de um tuíte que postei em maio e reproduzi no meu Facebook. Foram milhares e milhares de reações. E por que o fuzuê? Escrevi o que está abaixo:
Meu nome é Caio Blinder, nasci no Bom Retiro, em São Paulo. Sou judeu, sionista e a favor da criação de um estado palestino. A solução dos 2 estados é a única possível.

O Twitter tem estas vantagens: dá para resumir sua vida e suas ideias em um punhado de caracteres. É bacana pensar fora da caixa, como se diz em inglês, mas não existe mágica, não existe outra solução. Os dois lados com soluções “originais” me horrorizam, particularmente os judeus extremistas: alguns falando em anexar a Cisjordânia e não conferir direitos iguais aos palestinos (aí sim, criando o estado do apartheid em Israel) e outros achando que numa boa seria possível a solução de um estado, com judeus e palestinos irmanados. Por favor, sem fantasias de qualquer cor ideológica.

Eu escrevo no último dia de maio em meio ao rolo de negociações eleitorais em Israel. Não vou fazer profecias, mas de repente achei bacana esta coalizão bizarra da extrema direita de Naftali Bennett, dos centristas de Yair Lapid e até árabe-israelenses fazendo parte da jogada. Parece ser um milagre, mas é isso que precisamos e não mais das mágicas marotas de Netanyahu. Sim, de repente, em meio ao oportunismo transparente de políticos israelenses, vemos alguns de fato com visão da big picture, colocando o plural no lugar do singular (caso do venal Netanyahu).

Todo este papo sobre Israel, a crise palestina, o futuro do Oriente Médio e antissemitismo é simplesmente extenuante, tanto em termos cerebrais, como emocionais. Acho normal e até saudável minha obsessão com estas questões (ficaria realmente inquieto caso me desligasse), mas quero insistir que as últimas semanas foram horrorosas para tantos – nem falo para os judeus alvejados pelos foguetes do Hamas ou os civis em Gaza usados como escudos humanos.

De todo o coração, eu vou me empenhar ao máximo para mudar de assunto na próxima coluna. Não posso garantir uma pauta positiva, mas ao menos uma que evite este papo extenuante sobre Israel, palestinos e conjuntura atual de antissemitismo. Estou devendo um texto sobre o fantástico livro que estou lendo, “Arrancados da Terra”, de Lira Neto, sobre a saga dos judeus portugueses na Inquisição que se refugiaram na Holanda, e dali foram para o Pernambuco e em seguida Nova Amsterdã, também conhecida como Nova York. O livro arrebenta os corações.

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