A velha Israel acabou, como a Diáspora pode apoiar a nova, mantendo sua identidade liberal?

Caio Blinder - Especial para a TJ

Podem votar no sentimento na Diáspora que traduza o impacto do novo cenário de poder em Israel. Estou é claro falando da maioria dos judeus. Eles são mais liberais na política e na religião (e por liberais incluo até os que seguem a corrente religiosa conservadora). Podem votar em sentimentos como desalento, indignação, perplexidade e indecisão sobre como expressar lealdade a Israel.

Evidentemente, nem todos compartilham estes sentimentos negativos em relação ao triunfo da mais direitista e autoritária corrente política no poder na história de Israel. Temos bolsões que festejam a costura da aliança entre o Likud e partidos ultraortodoxos e ultranacionalistas, que em termos clínicos podemos definir como fascistas, racistas, xenofóbicos e homofóbicos. Estes bolsões estão hoje enraizados, vale ressaltar, no Brasil, onde é indiscutível a força bolsonarista na comunidade judaica.

Eu aponto a força bolsonarista na comunidade com distância geográfica, mas com muita intimidade digital. Há uma incrível agressividade de certos elementos contra meus posts nas redes sociais. São agressões contra um judeu liberal e sionista do ventre desferidas com o jargão de ressentimento do bolsonarismo raiz e com o discurso golpista que não aceita a vitória de Lula nas eleições de outubro, em uma postura similar ao do trumpismo. São judeus que hoje falam a língua dos evangélicos pentecostais. No trocadilho infame, rezam pela mesma cartilha política. São estes judeus e evangélicos que hoje decidem quem realmente é judeu.

No caso brasileiro, há uma diferença. Minha pesquisa não científica chuta que a maioria dos judeus brasileiros votaram em Bolsonaro, embora em menor escala do que em 2018. No caso americano, o apoio ao não-trumpismo é esmagador. Nas eleições de meio de mandato em novembro (nas quais a presidência não estava em jogo), 75% dos eleitores judeus votaram em candidatos democratas para o Congresso e para governador.

Alguns vitoriosos me deixam orgulhosos e otimistas. É o caso de Josh Shapiro, judeu liberal, mas moderado, que acaba de ser eleito governador do importante estado da Pensilvânia, um dos mais decisivos na extenuante polarização política americana. O nome de Shapiro já circula como material presidencial, não em 2024, mas em 2028.

E aqui chegou a hora de fazer uma observação irônica: os judeus mais reacionários que questionam a lisura de eleições no Brasil e nos EUA (justamente na condição de losers) exigem que o resultado em Israel seja respeitado. Não há dúvida sobre isso. Lamento profundamente a decisão do eleitor, mas não a contesto com chicanas e fake news.

Aliás, este foi o recado dado por este estadista que é o presidente de Israel, Isaac Herzog, num encontro com a liderança da comunidade judaica americana um dia antes da eleição. Já antecipando o rojão, Herzog disse que “os resultados podem ser ou não do seu gosto, mas o voto do povo israelense deve ser respeitado”.

Isso dito, muitas lideranças na Diáspora deixam claro que não planejam se encontrar pessoalmente com os companheiros de estrada mais extremistas de Benjamin Netanyahu como Bezalel Smotrich e Itamar Ben-Gvir. Em capitais europeias e nos principais centros do judaísmo norte-americano (e aqui vamos incluir a influente comunidade canadense), o tom é o mesmo, daqueles sentimentos que mencionei no começo da coluna: respeito pelo resultado, mas desalento e indignação com o cenário.

Diante de um pepino

As embaixadas israelenses estão realmente diante de um pepino para trabalhar com inquietas comunidades judaicas na Diáspora e na encrenca é possível incluir até alguns setores ortodoxos, para os quais a configuração de poder em Jerusalém passou da conta pelo extremismo político e religioso. A filantropia inclusive pode ser afetada, com revisão de projetos e canalização de dinheiro para comunidades locais ou Ucrânia. Tudo isso é avaliado se levando em conta que 50% dos israelenses não apoiam gente como Ben-Gvir e Smotrich. Um caminho sensato é vitaminar o relacionamento com organizações e iniciativas mais liberais em Israel.

Em meio ao desalento, existem cálculos mais frios que não é o fim do mundo. Há frustração com a incompetência da decadente esquerda israelense para se unir e com isso amarga um crescente ostracismo. A frustração se estende aos setores centristas, sempre atolados nas rivalidades e mesmo picuinhas pessoais. Enquanto isso há a constatação da habilidade de Netanyahu para unir a direita e a extrema direita com total falta de escrúpulos.

Claro que Netanyahu vai precisar mais do que nunca provar que merece a alcunha de “O Mágico”, pois ironicamente ela passou a ser literalmente o poder moderador na coalizão de governo, consciente que há limites na sua relação tensa com a Diáspora, desafinada de suas posições. Não basta para seu governo extremista ser chapa de evangélicos e gente como Orbán, Trump e Bolsonaro. Nunca houve um distanciamento tão grande entre o poder israelense e a Diáspora.

Nem todo mundo tem cabeça fria para evitar que as coisas piorem ainda mais e teve muito impacto um texto de um dos mais influentes jornalistas judeus nos EUA, Thomas Friedman, colunista do New York Times. Veterano correspondente no Oriente Médio, ele tem acesso aos círculos de poder em Washington e é membro de uma sinagoga conservadora. Friedman escreveu o texto com o título “A Israel que nós conhecemos acabou”. Rompendo o protocolo, ele pensou alto, dizendo que existe o debate aflito em sinagogas e centros comunitários nos EUA e no resto do mundo: “Apoio ou não apoio Israel”?

Antissemitismo e antissionismo

A nova aflição agora convive com as antigas. O antissemitismo e seu maroto comparsa, o antissionismo, seguem muito ativos, perigosos, tóxicos e mortais. Rabinos e líderes comunitários advertem que será mais difícil agora fazer a defesa de Israel em ambientes hostis. Para muita gente será preciso caminhar num campo minado de defesa institucional de Israel e de mal-estar com os rumos do país e do projeto de intolerância sobre como definir e formalizar a identidade judaica, tendo a Lei de Retorno como referência.

Um desafio descomunal diante da comunidade será oxigenar a identidade sionista de jovens judeus no mundo. A nova composição de poder em Israel está sendo festejada por uma minoria de jovens extremistas, mas a maioria somente deve multiplicar os questionamentos sobre Israel. Afinal estão gerações distantes do Holocausto e dos tempos mais heroicos de mera luta de sobrevivência do Estado de Israel.

Eu gostaria de terminar este texto desalentador com uma pitada de otimismo, algo do gênero de que as instituições de Israel são robustas, capazes de frear este ataque extremista, mas visceral neste ataque é minar as instituições, como a Corte Suprema, além do empenho para rasgar o tecido social e aqui devemos incluir o manto da Diáspora. Na coluna anterior, tentei ofertar um prêmio de consolação, alegando que Israel agora é um país realmente normal entre as democracias. Tornou-se uma Suécia ou uma Itália, onde agora a extrema-direita integra o esquema de poder. Mas, no final das contas, qual é o meu consolo? Não sou italiano, não sou sueco. Sou um judeu brasileiro-americano, mais afinado com a cabeça e o coração da comunidade judaica de minha segunda casa. TJ

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