Sempre sionista, sempre pelo Estado judeu, pela solução dos dois Estados

Caio Blinder - Especial para a TJ

Eu sou um judeu conservador, um sionista conservador e um democrata conservador. Como assim? Com estas expressões, eu quero enfatizar como alguns princípios devem ser preservados. Como se diz em inglês, em algumas coisas eu me recuso a pensar out of the box. Eu não me aventuro a sair da caixinha e olha que algumas caixinhas ainda não existem. Do que eu estou falando, afinal?

Estou falando que a única solução para a questão palestina é a dos dois Estados. É a única solução justa, fiadora da segurança de Israel, da democracia israelense e do sionismo politicamente correto no sentido estrito da expressão. A única solução será um Estado palestino democrático e contíguo, que respeite o direito de existência de Israel, descartando maximalismos, como o direito de retorno de refugiados e gerações de descendentes.
Todo este papo pinta nesta coluna em razão de uma polêmica que pega fogo nos meios judaicos americanos e que se alastrou para Israel. Envolve um jornalista e escritor judeu muito conhecido, pelo menos aqui, chamado Peter Beinart.

Figura familiar em talk shows de televisão e nas redes sociais, Beinart costumava ser um incansável advogado da solução dos dois Estados, mas agora abandonou o conceito, que para mim é pétreo. Na sua provocação, Beinart argumenta que chegou o momento para os sionistas mais progressistas (caso dele) colocarem a escanteio a separação entre judeus e palestinos (pedra de toque da solução dos dois Estados) e “abraçarem a meta da igualdade”.

Claro que o conceito de separação nos dois Estados não significa apartheid ou uma faxina étnica. Afinal, 20% dos cidadãos em Israel não são judeus e uma eventual criação de um estado palestino não significa que eles irão abandonar Israel. Pelo contrário: pesquisas mostram que os árabe-israelenses se identificam cada vez mais como…cidadãos israelenses. E um eventual Estado palestino eventualmente poderá ter cidadãos judeus (para ser mais preciso, o pessoal dos assentamentos).

Como vamos chegar lá? Isto vai exigir caminhos árduos e tortuosos e neste momento não temos sequer o mapa. Ele foi rasgado quando lideranças palestinas (a destacar Yasser Arafat) descartaram os melhores acordos colocados diante delas nos tempos em que Bill Clinton mediou negociações.

E não podemos esquecer que o paradigma Bill Clinton sempre foi desprezado pelo establishment da direita israelense, ainda encarnado por Benjamin Netanyahu, que na formulação clássica sempre preferiu o processo e não a paz no processo de paz, ou seja, enrolar nas negociações, algo que ele hoje em dia sequer finge fazer.

Um cenário tão espinhoso ajuda a explicar a atitude de Peter Beinart de entregar os pontos e mais uma vez ele choca. Isso aconteceu quando ele escreveu um ensaio há dez anos com o título “O fracasso do establishment judaico americano”, advertindo que as instituições comunitárias no país não conseguiriam mobilizar os jovens judeus caso não advogassem de forma mais vigorosa o fim do controle israelense na Cisjordânia e a criação de um Estado palestino.

Dez anos depois, ele deserta da causa dos dois Estados. A deserção “no papel” aconteceu em um ensaio que publicou no começo de julho na revista esquerdista Jewish Currents (e resumido no New York Times). Para ele, o Estado binacional deve compreender Israel, Cisjordânia e Gaza, com direitos iguais para cada habitante. Beinart se diz preparado para abandonar a ideia de um Estado judaico, mas insiste que o novo país ainda será um “lar judaico”.

Equilíbrio de poder

Beinart alega que chegou a esta posição devido ao “fracasso” do projeto dos dois Estados. Em termos de polêmica, é inegável que o texto de Beinart é um sucesso. Na sequência, foram publicados textos de outros a favor e contra, além de inúmeras entrevistas, nas quais ele repete que se tornou cada vez mais difícil defender com credibilidade a ideia da criação de um Estado palestino.

Assim, o negócio é buscar a alternativa binacional. E por quê? Ele diz que na solução dos dois Estados, Israel sempre terá um poder descomunal, enquanto no estado binacional haverá uma maior possiblidade de equilíbrio de poder entre as duas comunidades.

Em um ensaio, Beinart claro que não pôde detalhar o seu projeto de Estado binacional, mas ele usa paralelos históricos bizarros, como quando questionado sobre o Exército neste novo modelo.

Ele recorre ao exemplo da integração racial nas Forças Armadas americanas, que apenas ocorreu em 1948, mas isso apenas foi possível por imposição do presidente da maioria branca (Truman), na época em que a segregação era a lei no sul dos EUA. No entanto, no caso de um Estado binacional, os palestinos serão maioria.

Polemista profissional, Beinart não se acanha em brandir o que ele considera o melhor contra-argumento ao seu texto: seria a emigração em massa de judeus, o que resultaria em uma sociedade judaica menos vibrante. E como ele rebate? Ele diz que prefere viver neste cenário do que no de um Estado de Israel opressor.

No entanto, o contra-argumento mais fulminante é o fato de Beinart prescindir de sionismo e do Estado judeu. É verdade que alguns dos primeiros sionistas chegaram a advogar meramente o “lar judaico” e não o Estado judaico, caso de Ahad Ha’am, mas nunca consideraram isso uma situação ideal.

Desde Herzl, cujo manifesto fundador obviamente se chamava “O Estado Judeu”, a Ben-Gurion, a meta sempre foi o Estado judeu no mais claro, específico e completo senso da expressão.

Um argumento central do sionismo é o de que direitos iguais são essenciais, mas são insuficientes. Para os judeus, genuínos direitos iguais só podem ser concretizados em um Estado judeu. A prova é que a legalidade dos direitos na Europa por um século não impediu o Holocausto. E hoje em dia, em muitas partes do mundo, o argumento sionista é contestado com antissemitismo, ou seja, não apenas o sionista é negado, mas o judeu.

Beinart inclusive acusa os judeus de ainda estarem tão imersos no Holocausto que não abandonam o medo de serem vítimas de outro massacre em massa. Com isso, judeus assumem que a ausência do Estado judeu equivale ao suicídio judaico.

Beinart garante que este risco não existe mais e parece assim desligado da dificuldade de convivência entre povos e religiões no Oriente Médio. Claro que é imperfeito, mas judeus, muçulmanos e cristãos convivem em Israel como em nenhum outro país da região. Mas, é irrealista dizer, como Beinart, que num Estado binacional, “palestinos viverão pacificamente ao lado de judeus” e mais do que isso: construir este Estado trará a libertação, não apenas para os palestinos, mas para os judeus.

Agora um pouco de realismo na conversa: os direitos individuais dos judeus só podem ser concretizados quando equivalem a direitos coletivos, inclusive o de autodefesa, o que é impossível fora de um Estado judeu. Ben-Gurion foi claro quando afirmou que sionismo não é uma questão de judeus e árabes, mas de judeus e o mundo.

Sim, a concretização de um Estado palestino é espinhosa e está distante e não vamos nos estender aqui na distribuição de culpa pelo fracasso para se avançar na meta. No entanto, o foco do debate é o sionismo, renegado por Peter Beinart. Sionismo significa conferir direitos iguais ao povo judeu e isto apenas pode ser cristalizado com um Estado judeu.

No final das contas, podemos dizer que o argumento de Peter Beinart do Estado binacional é perfeito, pois é uma utopia e utopia são visões perigosas e fora da realidade.

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