Despedida da Morá Rifka Z´L

Josie Berezin Lafer e Ricardo Zeef Berezin - Especial para a TJ

Rifka Berezin faleceu em 3 de dezembro de 2020. Professora por excelência, dedicou toda a sua vida ao estudo e ao ensino da língua hebraica. Lecionou e dirigiu o Colégio Renascença, ajudou na fundação e ampliação do Centro de Estudos Judaicos e foi chefe do Departamento de Letras Orientais, ambos na Universidade de São Paulo, onde foi professora de graduação e pós-graduação. Formou alunos, traduziu obras e escreveu dezenas de livros. Transitou por diversos campos, da história a sociologia, da literatura à linguística, mas, acima de tudo, foi decisiva ao introduzir e consolidar os estudos da cultura judaica no Brasil.

Foi casada por 50 anos com Abrahão, que partiu há 18 anos. Em seu aniversário de 80, o zeide (nosso avô) leu um lindo poema de despedida. Ou melhor, tentou. Seus filhos, indignados, o interrompiam a todo instante. O poema dizia “Quem vai ficar? O que vai ficar?”, embora ele estivesse com uma saúde de ferro. Morreu enquanto dormia, e talvez como houvesse pressentido, não completou 81.

Formavam um casal exemplar e peculiar. Ele, médico e professor, era bem ativo. Praticou remo na juventude (no Rio Tietê!) e levantou peso até seus últimos dias. Já ela, socióloga e professora, alimentava mente e alma, e o corpo que desse um jeito de acompanhar. Gostava era de beber um chope com seus colegas de USP. Seguia aquele velho preceito para a longevidade: esporte – nunca faça.

Zeide se vestia bem

O zeide se vestia bem para ir ao hospital, e só. De resto, qualquer roupa servia. Já a vovó estava sempre impecável. Ele era ruim na cozinha, mas ela era pior ainda. Então o zeide que cozinhava alguma coisa, fazia feira, botava a mesa. Quiçá era até uma postura política. Onde já se viu intelectual fritar um ovo?

Um dos únicos registros da Morá Rifka na cozinha, aliás, vem de um quadro que ficava pendurado na sala, no qual ela aparece descascando uma cebola. Ocasião especial, estava em uma comunidade, no Brasil, se preparando para morar em Israel. Ela nasceu em Safed (Israel), ainda sob controle britânico, e decidiu retornar para o país assim que o Estado foi fundado. Foi no navio, já a caminho, que ela conheceu o Dr. Abrahão. Ela estava a caminho de se juntar a um Kibutz, e ele, de cursar sua residência médica. No navio se conheceram e em terra se casaram. Tempos depois voltaram ao Brasil.

Já aqui, o zeide foi um dos primeiros professores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Depois se transferiu para a Santa Casa de São Paulo. A vó Rifka se formou em Ciências Sociais na USP – das únicas mulheres da turma – e, depois de anos como professora e diretora do Renascença, ajudou a fundar o Departamento de Letras Orientais da Universidade. Deu aulas em São Paulo, Jerusalém, Oxford e Harvard. Tornou-se uma das maiores referências em estudos judaicos no País e a maior referência em língua hebraica. Até um dicionário (“o dicionário”) hebraico-português escreveu. Era e ainda é impossível estudar o idioma sem passar por uma de suas obras.

Mãe de quatro filhos, Morá Rifka era rigorosa e carinhosa. Como avó e bisa, era muito afetuosa, gostava de sempre dar beijo nos netos, deixando carimbada sua boca vermelha de batom em nossas bochechas; e não era fácil de tirar. Ela tinha um hábito engraçado: ao telefone, por mais interessante que fosse a conversa, era ela quem a encerrava. “Então tá bom” dizia, e logo desligava. Do outro lado da linha, restávamos como bobos tentando nos despedir.

Sua partida, aos 92 anos, ainda é difícil de aceitar. A cabeça funcionou bem até o fim da vida, os exames médicos estavam ótimos, como sempre, mas o corpo foi aquietando, desacelerando. Os últimos 2 meses foram difíceis, mas ela esperou até que sua filha caçula chegasse ao Brasil. Meio dia após a sua chegada, Morá Rifka desligou. Partiu como queria, com todos os filhos ao redor e presentes.

Beijo, vó. Beijo, vô. Por aqui seguiremos admirando vocês, nos inspirando em vocês, amando vocês, com um carinho e uma saudade imensa. Um dia, podem acreditar, a gente se reencontra.
“Então tá bom”.

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