De Paris a Nova York, histórias de divisões e intrigas dentro de influentes comunidades judaicas

Caio Blinder - Especial para a TJ

Perdão pela repetição de temas de forma consecutiva (well, já fiz coisas piores, batendo na tecla sobre Trump ou Netanyahu), mas vamos lá falar novamente de Éric Zemmour, a sensação eleitoral francesa, embora até o momento ele não tenha formalizado sua candidatura para as eleições de abril do ano que vem.

Para quem ainda não sabe, o fato mais insólito sobre Zemmour não é despontar como uma sensação da extrema direita. Nas últimas décadas, tivemos a família Le Pen, pai e filha. Um pouco mais insólito é o fato de Zemmour estar desbancando Marine Le Pen como o dono do seu território e um dos motivos é o fato de que ela começou a ser vista como muito leniente, muito disposta a fazer compromissos para garfar nacos de um eleitorado mais conservador, mas avesso aos excessos xenofóbicos.

Mas o que realmente torna Zemmour insólito é o fato de ser judeu. Claro que existem judeus de extrema direita com mensagem xenofóbica, para não dizer fascista. Temos espécimes em Israel e em outras partes do mundo. Mas, judeu com este DNA gera divisões acirradas entre judeus e isto está acontecendo dentro da comunidade judaica francesa.

De cara, eu confesso uma certa supresa. Bem, estou surpreso, mas não chocado. Zemmour não deveria rachar a comunidade, ele deveria ser alvo de coeso repúdio, mas a vida é complexa, inclusive entre os judeus.

Antes de mais nada, vale lembrar que Zemmour é filho de judeus argelinos e, como em Israel, os judeus refugiados da África do Norte e Oriente Médio na França e no resto do mundo têm uma atitude mais hostil em relação a árabes e muçulmanos. Afinal, foram expulsos de suas casas em ondas sucessivas depois da declaração de independência de Israel.

De novo, nada disso justifica Zemmour. Ele é dose. E vamos destacar novamente o seu esforço para reabilitar o regime francês (Vichy) que colaborou com os ocupantes nazistas na Segunda Guerra Mundial. O regime de Pétain despachou mais de 72 mil judeus para os campos de concentração.

Mesmo assim, Zemmour tolera e mente sobre o prontuário de Vichy. Em setembro, em entrevista à televisão, ele teve o desplante de dizer que “Vichy protegeu os judeus franceses e entregou apenas os judeus estrangeiros”. Isso em si já uma coisa repugnante para dizer e além de tudo é um revisionismo obsceno da história.

Na vanguarda da indignação contra Zemmour, está Bernard-Henri Lévy, um dos mais conhecidos intelectuais públicos no mundo e sempre orgulhoso do seu DNA judaico. Em entrevista, ele rebateu que Zammour “é perigoso e insulta a moral judaica”.

Na tradição secular francesa, a origem judaica de Zemmour tende a ser ignorada pela imprensa francesa, mas tal atitude fica cada vez mais difícil de ser mantida devido à estridência do debate dentro da comunidade judaica sobre Zemmour, que destaca justamente o tipo de judeu que ele é.

Décadas de esforços

A narrativa de Zemmour (tolerante com Vichy e intolerante com muçulmanos) detona décadas de esforços da comunidade judaica para cimentar uma narrativa comum sobre a ameaça antissemita de esquerda no país, na qual o componente islâmico é proeminente. Como se defender quando existem os ataques desfechados por um judeu racista e complacente com o fascismo?

Claro que existe a defesa de Zemmour na comunidade de 500 mil pessoas, a maior na Europa Ocidental. Ele, como lembrei, ecoa sentimentos e posturas de sefarditas que vivem em subúrbios mais pobres, assolados por episódios de antissemitismo deflagrados pela comunidade muçulmana. E vale lembrar que em larga escala a comunidade sefardita ganhou corpo na França depois da Segunda Guerra Mundial. Os judeus que foram vítimas do Holocausto eram em larga escala asquenazitas, sejam franceses ou refugiados de países europeus.

Assim, em meio às divisões de opiniões geradas pela postura de Zemmour, existem esforços para racionalizar o apoio que ele possui na comunidade. Francis Kalifat, presidente do Conselho de Instituições Judaicas na França, explica que “existe uma parte da comunidade judaica que vê em Zemmour o homem que irá resolver os problemas de segurança e islamismo violento”.

Kalifat racionaliza, mas não justifica. Pelo contrário. Ele afirma que “é preciso ver a mensagem como um todo de Zemmour, que enquanto cheia de amor pela grandeza da França, arrasta o país de volta para o que ele tem de mais detestável”.

Zemmour nunca negou o Holocausto, o que, por sinal, é ilegal na França. Mas seu compromisso com a história é leviano, em particular na questão de Vichy. Após décadas de subterfúgios, a França, sob o governo de Jacques Chirac em 1995, finalmente reconheceu a total extensão do colaboracionismo de Vichy com os nazistas.

Parte marcante da vergonha foi o uso do velódromo de Paris para a detenção de 13 mil judeus, inclusive 4 mil crianças, que foram deportadas para os campos de concentração. Ao contrário das mentiras propagadas por Zammour, 80% das crianças eram francesas.

Kalifat, o líder da comunidade judaica, não define Zemmour como um judeu antissemita. Prefere chamá-lo de revisionista. Já um antissemita de carteirinha, Jean-Marie Le Pen, pai de Marine, não poupa elogios para a “coragem e cultura” de Zemmour quando ele sai em defesa do regime colaboracionista de Vichy. Le Pen observa que a “única diferença entre nós dois é que Zammour é judeu e assim fica difícil qualificá-lo como nazista ou fascista”.
Monsiuer Le Pen, na verdade não é difícil fazer esta qualificação.

Divisões em Nova York

E vou trocar de cidade, mas fica no assunto de divisões comunitárias, desta vez dentro de uma congregação de Nova York. A sinagoga Park East prefere a fama por sua influência e riqueza dos seus membros e não pelas intrigas envolvendo seu venerável rabino-chefe e a demissão do seu assistente.

Como o nome diz, a Park East fica no Upper East Side de Manhattan, um CEP de gente graúda. E nenhuma sinagoga no mundo ortodoxo moderno é tão rica e importante como a Park East. Nenhum rabino é tão famoso e respeitado como Arthur Scheneier, um sobrevivente do Holocausto de 91 anos, com acesso a quem é quem, do papa a presidentes.

Assim, foi uma sensação a informação sobre a demissão por um telefonema de 45 segundos do venerável rabino do seu jovem rabino assistente de 34 anos, após dez anos de serviço. E de pensar que o rabino-assistente, Benjamin Goldschmidt, saiu escoltado por seguranças após participar do serviço de Shabat.

A rede de intrigas envolve a sucessão de um rabino venerável. A ala de Schneier acusa Goldschmidt, filho de um dos mais influentes rabinos ortodoxos no mundo, baseado em Moscou e íntimo de Angela Merkel, de ter tramado para ocupar o cargo do venerável. E para apimentar a história, quem começou a frequentar o serviço religioso na Park East foi outro rabino, filho de Schneier, uma figura polêmica no sexto casamento e que preside uma sinagoga nos Hamptons, a praia dos ricos nova-iorquinos.

Scheneier, nascido na Áustria, tem uma história fantástica como líder espiritual e político. Ele foi figura chave na campanha para que os judeus pudessem sair da ex-União Soviética. Tornou-se um prodígio, tirando pleno proveito do seu status de celebridade, para conseguir doações para a sua congregação e causas judaicas. Sempre foi um talento no púlpito.

Já o jovem rabino Goldschmidt é outro estilo, do trabalho mais discreto e com grupos pequenos. Ele não terá problemas para arrumar emprego. Já a renomada congregação Park East tem um futuro incerto, ainda chefiada por um rabino de 91 anos. TJ

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